Olá, Perdidos! Em suas 360 páginas, Jantar Secreto, livro de Raphael Montes, me fez pensar até que ponto pode chegar o ser humano para se dar bem na vida, além de outras questões bem complicadas.
Um jantar gourmet foi a saída que quatro amigos encontraram para arrecadar dinheiro e pagar a imensa dívida contraída com o aluguel (muito) atrasado do apartamento que dividiam em Copacabana. Nada melhor que um jantar muito especial e refinado planejado por Dante, Miguel e Leitão e preparado por Hugo, o chefe de cozinha egocêntrico do grupo de amigos. Grupo que se mudou para o Rio de Janeiro, vindo da pacata Pingo D’Água, no interior do Paraná, a fim de estudar e alcançar o sucesso.
As pessoas não comem só pela boca, Dante. Uma refeição começa pelo cheiro, depois pelo olhar e só então vem o sabor. O espírito de um bom jantar é a aparência.
Mas, eis que a ideia para se livrarem da dívida dá uma guinada mirabolante e o jantar gourmet, por uma brincadeira inconsequente de Leitão, o especialista em informática, hacker e responsável pelo anúncio do jantar na internet, acabou se tornando um jantar onde os comensais degustariam carne humana pagando a módica quantia de três mil por pessoa. Isso mesmo. Canibalismo gourmet. E uma vez que o pagamento foi realizado, a brincadeira ficou séria e sem volta.
Era para ser apenas um único jantar, digamos, excêntrico, porém Umberto, um dos participantes deste primeiro jantar, lançou uma proposta aos rapazes bastante animadora com a perspectiva de sucesso e um futuro promissor para todos. E eles teriam um sócio misterioso chamado Vladimir que faria investimentos pesados nos negócios de “carne de gaivota”, como eles se referiam de modo reservado a carne humana. Tudo no maior sigilo, é claro.
O ser humano é um bicho escroto por natureza. Não importa o que digam, todo mundo é assim. Rico ou pobre, negro ou branco, velho ou novo, não interessa. Somos todos iguais em escrotidão.
E o tal jantar gourmet virou um jantar secreto e que mais tarde se tornariam vários jantares secretos. Só a nata da sociedade carioca bem endinheirada e no segredo total se lançaria à experiência gastronômica exótica. E a novidade gerou até fila de espera dos ricaços que, finalmente, podem ter encontrado um fim satisfatório e inebriante para eliminar o problema da sociedade com os menos favorecidos. Será?
A antropofagia é um tabu na nossa sociedade, mas o que me incomodou realmente foram as explicações nada convincentes para o consumo considerado lógico e irrestrito de carne humana, até mesmo como solução para a fome mundial! O que as pessoas são capazes de fazer ao ponto de se iludirem conscientemente com justificativas aparentemente racionais como desculpa pelo bel prazer de ganhar rios de dinheiro é inacreditável.
Era uma ignorância intencional, Dante, uma inconsciência consciente, porque participar do negócio te dava o dinheiro que você sempre quis.
É claro que muita coisa acontece na história, principalmente após darem o primeiro jantar e seguirem nessa onda de preparar os corpos e a “ingenuidade” de alguns dos personagens. Trata-se de um livro de thriller psicológico com bastante dinâmica, perturbador e cuja leitura é muito fluida. Certas passagens foram difíceis de engolir, se me permite o trocadilho indigesto. E pode ter sido esse o objetivo do autor, fazer com que a experiência do leitor fosse desconfortável para poder questionar as relações humanas e seus valores, assim como a sociedade moderna e seu consumismo desenfreado, em que tendo muitíssimo dinheiro ou para chegar a ser rico tudo é permitido.
Quem narra a história é Dante, estudante de Administração que divide o apartamento com os três amigos. Talvez o nome tenha sido inspirado pela Divina Comédia, afinal Dante estava vivendo num Inferno de contradições, dilemas e degradações morais e físicas.
Naquele fim de tarde, sinto que me tornei um monstro. Deixei no passado o fiapo de humanidade que me restava e mergulhei num poço de sofrimento sem volta.
O final não chegou a ser uma surpresa, apesar das reviravoltas. Em vários momentos é possível identificar como a história terminaria. Mas é sempre bom ter a revelação de que sua suspeita estava certa. Sigam as pistas.
Se vale a pena ler? Com certeza. O livro não decepciona. A história começa tranquila, tem até momentos divertidos, porém os acontecimentos impactantes e a sanguinolência vão aumentando a cada página virada, assim como os tapas na cara, a repulsa e a tensão. Portanto, não recomendo para aqueles que têm estômago mais sensível.
FICHA TÉCNICA
Autor: Raphael Montes
Editora: Companhia das Letras
Gênero: Thriller Psicológico
Conhecendo um pouco mais Raphael Montes
Raphael Montes nasceu em 22 de setembro de 1990, no Rio de Janeiro. Formado em direito, ele é escritor e roteirista de literatura policial e de suspense. Seus livros estão traduzidos em mais de 25 países e todos eles têm os direitos de adaptação vendidos para o teatro e o cinema.
Publicou os romances Suicidas, Dias Perfeitos, O Vilarejo, Jantar Secreto e Uma Mulher no Escuro, que lhe rendeu o Prêmio Jabuti 2020 na categoria “Romance de Entretenimento”.
Escreveu os filmes Praça Paris, A Menina Que Matou Os Pais e O Menino Que Matou Meus Pais, os dois últimos lançados em 2021 diretamente na plataforma de streaming da Amazon.
É criador, roteirista-chefe e produtor-executivo de Bom Dia, Verônica, série de sucesso na Netflix, baseado no livro escrito em parceria com Ilana Casoy. A série é vencedora do Prêmio APCA 2020 (Associação Paulista de Críticos de Arte) nas categorias “Melhor Ator”, “Melhor Atriz” e “Dramaturgia” em televisão.
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