Olá, Perdidos! O livro As Mil Noites, de E. K. Johnston, é mais uma releitura do conto As Mil E Uma Noites cuja história se desenrola nas areias do deserto para onde um rei e sua caravana partem em busca de uma nova rainha para o seu reino.
O soberano Lo-Melkhiin vai casar mais uma vez e todos sabem que sua nova rainha morrerá até o dia amanhecer. São trezentos casamentos e trezentas noivas mortas misteriosamente.
Seguindo de aldeia em aldeia por uma rota estipulada em lei, Lo-Melkhiin procura uma esposa, ele “sempre levava uma garota, e ela sempre, sempre morria”. Esta rota permite que o soberano passe por todas as aldeias, distritos ou acampamentos dentro dos muros da cidade antes de retornar ao ponto de partida para começar tudo de novo. É a única chance para as mulheres se casarem, impedindo-as de serem levadas por ele ao seu palácio.
Chegando a um acampamento no deserto, ele quer levar a mais bela de suas jovens. Mas, uma garota impõe sua escolha ao rei, não permitindo que ele leve sua irmã, a mais bela do lugar.
Seu plano dá certo. E mais do que isso, ela, surpreendentemente, sobrevive a sua primeira noite na fortaleza do soberano. Uma estranha magia parece fluir entre eles.
Será que a garota viverá para ver outras auroras?
A história de As Mil Noites é um pouco diferente do famoso Contos das Arábias. A autora não fez, simplesmente, uma releitura do clássico, ela criou um livro totalmente surpreendente com uma história singular, em que o soberano Lo-Melkhiin, após uma ida ao deserto para caçar, retorna ao palácio mudado, transformado num líder temido e assassino de suas noivas.
Eu era uma noiva condenada, tão provinciana que nunca sequer tivera água suficiente para um banho decente. Mas quando minha visão clareou, reconheci o som.
Era o som da morte, da umidade e do verde. Era o som do custo e do valor pago.
Diferentemente da duologia A Fúria E A Aurora e A Rosa E A Adaga, onde a magia apenas agregava fascínio à trama sem chegar a se desenvolver ou a se tornar o foco, em As Mil Noites a narrativa é completamente voltada para a magia.
Assim como Sherazade que um dia se apossou de inúmeras fábulas para se manter viva e apaziguar um coração impiedoso, a garota também conta histórias, mas suas histórias são meias-verdades ou verdades que ela inventa e que se tornam realidade, desse modo, a garota vai sobrevivendo até a manhã seguinte. Algo inteiramente inédito para o rei e todo o seu reino.
Ela não iria queimar como as outras, nem iria servir. Eu a chamara de plebeia, mas ela era melhor do que aquele seu povo que se arrastava pela areia. Chegar de matar meninas. Havia encontrado minha rainha.
E por falar em reino, seus súditos fecham os olhos a toda essa matança, uma vez que, de negociantes a céticos (cientistas), todos na cidade prosperam, provavelmente considerando que a morte de tantas mulheres seja um preço pequeno a pagar pela paz e prosperidade da cidade e deles mesmos.
Embora as mulheres daquela região não tenham voz de comando e seus desejos sejam ignorados, é através de seus sussurros e suas conversas serenas de contadoras de histórias que pequenas batalhas diárias são vencidas. E, por que não grandes batalhas? Não se pode esquecer que as maiores vítimas de As Mil Noites são as mulheres e quem se dispõe a salvar todos da cidade (mulheres e homens também) é uma mulher.
O regente percebe que sua última esposa é diferente das anteriores e, assim como ele, a garota também nota que aos poucos surge uma magia que flui entre ela e Lo-Melkhiin, algo incompreensível que se torna cada vez maior. Talvez ela consiga ter força e magia suficientes para libertar as mulheres do pesadelo de se tornarem futuras rainhas.
Eu não considerava aquilo um ritual até ele mencionar. Não havia palavras ou canções. Não acendíamos velas, e eu não tinha certeza que algum de nós conseguia alguma paz com isso. No entanto, todos os dias, todas as noites, nos reuníamos. Não era um casamento como me haviam ensinado, mas era alguma coisa, e ele agora me revelara seu nome.
Se procura por romance, veja os posts de A Fúria E A Aurora e A Rosa E A Adaga (links no final). Aqui o Amor é o nobre sentimento da garota pela sua família, especialmente sua irmã, e amigos que a transformam em uma deusa menor, ou seja, um membro da família ou da tribo que morreu e que os protegem.
Só que a garota não morreu e esse é um dos mistérios que recheiam o livro. O sobrenatural e a magia, além das crenças nos deuses menores das tribos, ditam o tom da história. É o poder da palavra, seja em forma de contos ou orações, o verdadeiro mistério que o governante não consegue alcançar. É, justamente, através da força da crença e do sacrifício que ela ganha cada vez mais poder.
Algo atípico é que na narrativa não há praticamente o uso de nomes. Se chamam por irmã, mãe de minha irmã, marido, esposa, meu senhor, senhora da hena, pai do meu coração, senhora mãe. Os personagens realmente não precisam de nomes, pois poderiam ser qualquer um e não dificulta em nada a leitura. Sequer dá para perceber que a própria garota não possui nome. Não tinha notado que não disse uma única vez o nome da garota? Pois é, ela não tem nome.
Praticamente apenas duas palavras espalhadas pela história são em árabe e elas são qasr e dishdashah. Logo, nem é necessário um glossário. Alguns termos em português se referem à cultura árabe, é só fazer uma checagem no Google e pronto. Se não quiser fazer qualquer tipo de consulta, não tem problema, pois estas palavras não atrapalham o entendimento da leitura. Só conferem um charme a mais ao texto escrito nas areias do deserto.
– Filha do meu coração, você está em uma guerra desde que decidiu tomar o lugar da sua irmã. Só continue lutando, e vamos ver quem vai prevalecer no final... os demônios ou os deuses menores.
Gostei muito do livro. Ele é envolvente e surpreendente. A batalha final (sim, há uma batalha no final) é inimaginável. Mágica pura! A narrativa é simpática e mistura magia com crenças entre lembranças do passado e histórias do presente reinventadas para criar mais um belo Conto das Arábias digno de ser contado pela bela e astuta Sherazade e recontado por outros que transformam a história cada vez que a caravana passa.
FICHA TÉCNICA
Título Original: A Thousand Nights
Autor: E. K. Johnston
Editora: Intrínseca
Gênero: Ficção e Fantasia
Tradutor: Viviane Diniz
Conhecendo um pouco mais E. K. Johnston
Emily Kate Johnston ou E. K. Johnston é arqueóloga forense, livreira e escritora.
Já morou em vários lugares ao redor do mundo, incluindo a Jordânia, onde ficou apaixonada pelos segredos do deserto. E se ela aprendeu algo é que “as coisas ficam estranhas às vezes e não há muita coisa que você possa fazer sobre isso”.
Quando ela não está nas redes sociais, sonha com viagens e com Tolkien e escreve livros. Sua inspiração para escrever vem do seu trabalho, das viagens que fez e de sua especialização em árabe e hebraico bíblico. Além do livro As Mil Noites, Johnston também escreveu Star Wars Ahsoka, um romance para jovens adultos no mundo sempre em expansão de Star Wars (Guerra Nas Estrelas). Ela adora contar histórias.
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