[Conto Poe] O Gato Preto

Olá, Perdidos! No dia 19 de janeiro de 1809, há exatos 212 anos, nasceu aquele que iria marcar seu nome como sendo um dos maiores poetas de sua época, e além dela, e o maior representante do Romantismo Americano: Edgar Allan Poe

Poe é o criador das histórias de detetive moderno, inventor do gênero de ficção policial, um dos primeiros escritores americanos que criaram os contos breves, um dos expoentes do Gótico e colaborador para a consolidação do gênero de Ficção Científica. Além de seus contos mais famosos serem pontilhados pelo mistério e pelo macabro. Um homem dividido entre o céu e o inferno, refletido em sua própria obra ou sendo sua mera reflexão. Não dá para não se encantar! 

Em homenagem ao seu aniversário, decidi explorar um pouquinho um de seus mais conhecidos contos: O Gato Preto. A primeira publicação do conto foi na revista americana United States Saturday Post que depois se tornaria o Saturday Evening Post em 19 de agosto de 1843. Vou tentar não dar spoilers. Vamos lá? 





No início do conto o narrador se diz condenado e disposto a relatar sua história, mesmo que não acreditem nela. 

Ele conta que desde cedo aprendeu a ter uma grande afeição pelos animais, o que foi sempre incentivado por seus pais. Adulto, casou-se com uma mulher igualmente apaixonada por animais e assim eles tiveram pássaros, peixes dourados, coelhos, um cão, um mico e um gato. Um enorme gato preto de nome Pluto, seu companheiro favorito e inseparável. 

Essa amizade durou vários anos até o narrador se tornar alcoólatra, mudando seu temperamento e tornando-o mais agressivo. Infligindo maus-tratos aos animais, incluindo seu gato preto que já estava mais velho e, segundo ele, “um tanto malcriado”. Nem mesmo sua esposa escapou de seu destempero. 

Numa noite, ao chegar bêbado em casa, tentou agarrar o gato que com medo o arranhou na mão, fazendo com que o narrador arrancasse um de seus olhos com um canivete que levava consigo. 

Entre uma dose de gim e a irritação, não houve lugar para o pesar; sua perversidade só aumentou e se aprimorou. A morte abraçou a vida do narrador como uma mortalha envolve um cadáver e daí por diante muitos acontecimentos funestos e assombrosos o fizeram duvidar de sua sanidade. Será mesmo? 



Quem não conhece O Gato Preto, clássico do terror e um dos contos mais conhecidos de Edgar Allan Poe, que atire o primeiro petisco, quer dizer, a primeira pedra. Totalmente narrado em primeira pessoa, fato marcante em sua obra, acompanhamos gradativamente a mudança de temperamento e comportamento de um homem afetado gravemente pelo alcoolismo. De homem pacífico e amante dos animais até o mais cruel dos assassinos que vê em seu ato “um dos impulsos primitivos do coração humano”. 


E uma criatura bruta — cujo semelhante eu matara desprezivelmente — uma criatura bruta engendrara para mim — para mim, um homem, feito à imagem do Deus Altíssimo — tamanho e insuportável suplício! 


Logo no início da leitura somos informados pelo narrador que “não estou louco — e, decerto, tampouco estou sonhando. Mas amanhã morrerei e hoje quero desafogar minha alma”. Em suas próprias palavras ele diz ser um narrador não-confiável e que está preso e condenado por seu crime, mas disposto a realizar uma confissão completa dos fatos para expurgar seus pecados, talvez. 

Uma coisa interessante (nesta edição) é que ele usa o termo “fantasmagoria” que, além de uma forma de teatro de terror que projeta imagens de fantasmas, significa a aparência que produz na mente uma impressão ou ideia falsa OU ideia ou expressão que se opõe ao que é racional. Esse termo mostra o teor do que devemos esperar na história. 


Num futuro próximo, talvez, algum intelecto haverá de surgir para reduzir minha fantasmagoria ao lugar-comum. 


No conto, o narrador não possui nome, mas por ser um texto escrito em primeira pessoa do singular (como já foi mencionado acima), presume-se que todos os fatos relatados foram vivenciados pelo próprio autor como se fossem verídicos, aumentando, assim, o interesse do leitor pela narrativa. Bela tática, Poe! 

Apesar de seus questionamentos cheios de dualidades que ora aprecia a perversidade, ora sente uma ponta de remorso, o narrador, entre a lucidez e a loucura, nos conta de forma fria os eventos que culminaram em sua condenação. Como se “descrevendo uma cadeia de eventos — e não desejo deixar de fora nem sequer um possível elo” fosse capaz de justificar tudo que fez. 

O Gato Preto é um conto em parte autobiográfico. Calma aí! Poe não saiu por aí matando ninguém. Refiro-me à sua vida boêmia e devassa causada pelo abuso de álcool, parecida com a do personagem/narrador. Mas diferente dele, Poe tirava desse estilo de vida desregrado, sua inspiração para, junto com seu excepcional talento, nos arrebatar com seu trabalho. 

Poe escancara o vício em álcool (algo que ele conhece muitíssimo bem) e que desencadeia a violência doméstica e a crueldade contra os animais, transformando uma pessoa a cada gole de bebida e tornando-a incapaz de avaliar suas ações. E quanto mais ele se entregava à bebida mais seu amigo gato se tornava um desafeto abominável. 


Sob a pressão de tormentos como esses, o tênue resquício do que havia de bondade em mim cedeu. Pensamentos malignos tornaram-se meus únicos companheiros — os pensamentos mais negros e malignos. 


A história também retrata o sobrenatural (é Poe, gente!) e a superstição através da figura do Gato Preto que nessa edição tem o nome de Pluto, como em inglês, mas em várias outras foi traduzido para Plutão





Aqui o gato é visto como o diabo que instiga as pessoas de bem a realizarem atos vis, como os praticados pelo personagem/narrador. Segundo ele, após a morte do gato se suscitou uma série de eventos que o levaram cada vez mais às atitudes de completa insanidade e total desatino. 


Leia também O Barril De Amontillado e Assassinatos Na Rua Morgue e O Baile Da Morte Vermelha 



Simbolismos Do Gato Preto 

  1. A esposa do narrador acreditava que gatos pretos eram bruxas disfarçadas. Antigamente a superstição levava as pessoas a acreditarem que gatos pretos atuavam como espiões ou mensageiros de bruxas ou demônios. Para elas, os gatos pretos eram companheiros e familiares para as bruxas. 
  2. Plutão ou Pluto, também conhecido como Hades pelos gregos, era o Deus do submundo na mitologia romana. Ele morava e governava o lugar para onde se encaminhavam todas as almas dos mortos. 
  3. O gato que o narrador encontra na taverna e que tem uma mancha branca no peito pode se referir ao Gato SithCat-Sith – cuja descrição é similar. É um gato espectral que assombrava as Highlands escocesas. Uma criatura-fada derivada da mitologia celta e que, de acordo com a lenda, poderia roubar a alma de uma pessoa antes de ser reivindicada pelos deuses.  


Tenho quase vergonha de confessar — sim, mesmo nesta cela de criminoso, tenho quase vergonha de confessar — que o terror e o horror que esse animal me infundia haviam sido aumentados por uma das mais simples quimeras que seria possível conceber. 


Não vou mais me alongar falando do conto, pois não quero dar spoilers que estraguem por completo sua incrível experiência. Simplesmente leiam essa estarrecedora história. Em O Gato Preto, Poe desnuda a alma humana em cenas macabras e aterrorizantes como só ele sabe fazer, criando a atmosfera ideal para expor sua perversidade, que excede em muito seu medo do extraordinário. É perturbador! É maravilhoso! É Poe! 



FICHA TÉCNICA 

Título: Contos de Imaginação e Mistério    
Título Original: Tales of Mystery and Imagination    
Autor: Edgar Allan Poe   
Ano: 2012 
Páginas: 424  
Editora: Tordesilhas  
Gênero: Contos / Terror, Ficção e Suspense  
Tradutor: Cássio de Arantes Leite
Ilustrador: Harry Clarke  
Prefácio: Charles Baudelaire 




AUTOR  



Edgar Poe, que mais tarde passaria a usar o nome Edgar Allan Poe, nasceu em 19 de janeiro de 1809, em Boston, Massachusetts. Poe era filho de um casal de atores que, após a morte de sua mãe, foi entregue ao rico comerciante John Allan e sua esposa Francis. Mesmo acolhendo o menino e lhe dando seu sobrenome Allan, ele nunca o adotou legalmente. 

Adolescente, estudou na Inglaterra por cinco anos e ao voltar para os Estados Unidos entrou para a Universidade de Virginia, e por ser um boêmio foi expulso após um ano. Também se matriculou na Academia Militar de West Point, mas foi expulso, o que fez que seu pai adotivo o desprezasse até o final de sua vida. 

Em 1835, Poe e Virgínia Clemm, sua prima em primeiro grau de treze anos, se casaram e, em 1847, com 24 anos, Vírginia morreu de tuberculose. Tanto a doença quanto a morte de sua esposa, tiveram grande efeito sobre o escritor que se voltou ainda mais para o álcool, declinando em solidão e tristeza

Poe escreveu poesias, contos de terror, sátiras, contos de humor, reinventou a ficção científica e criou o primeiro detetive de contos policiais modernos. Ele foi e ainda é o maior representante do romantismo americano e suas obras mais conhecidas eram de estilo gótico. Em 1845, publicou sua obra-prima, o poema O CorvoThe Raven em inglês. 

No ano 1849, dois anos após a morte de sua esposa, aos 40 anos de idade, seria a vez de Poe partir para o outro lado. Uma morte que permanece inexplicável até os dias de hoje. 

Quer saber um pouco mais leia Um Brinde À Edgar Allan Poe 




Até a próxima! 
Beijos mil! :-) 

Criss  


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