Olá, Perdidos! Prepare-se para mergulhar nas sombrias ruas de Londres do século XIX com “O Médico e o Monstro ou O Estranho Caso de Dr. Jekyll e Sr. Hyde”, uma obra que transcende o tempo com sua narrativa envolvente e temas eternos que continua a fascinar leitores com sua exploração da dualidade humana, o conflito entre o bem e o mal e as profundezas da psique humana. O romancista escocês Robert Louis Stevenson nos presenteia com uma narrativa que é ao mesmo tempo arrepiante e profundamente humana.
– Não é fácil descrevê-lo. Há algo de errado com sua aparência, algo bem desagradável, algo puramente detestável. Nunca vi um homem tão desprezível, e eu não sei bem por quê. Deve ter algo de deformado; ele passa uma forte impressão de deformidade, apesar de eu não conseguir explicar como.
Com seus dez capítulos espalhados em poucas páginas, este livro, publicado pela primeira vez em 1886, é uma verdadeira joia que brilha intensamente no universo do terror psicológico e do mistério, colocando seu nome no hall de grandes autores da literatura inglesa. Alia-se a Drácula, de Bram Stoker, e Frankenstein ou O Prometeu Moderno, de Mary Shelley, formando a Trindade dos Clássicos do Terror.
Numa época em que vivemos sob a sombra de nossos avatares no Instagram e afins, a história de “O Médico e o Monstro” não podia ser mais atual.
A história começa com o advogado Sr. Utterson, digno e honesto, preocupado com um de seus clientes e amigo e sua proximidade nociva com um homem desconhecido de todos. E com receio de acontecer uma desgraça com esse seu amigo/cliente inicia uma investigação por conta própria a fim de descobrir algo mais sobre esta figura detestável que a seu ver é “um verdadeiro demônio”.
O puro esplendor de uma alma imunda que transcende e transfigura seu invólucro de barro? Deve ser isso! Ah, pobre Harry Jekyll... se eu alguma vez vi a assinatura do demônio na face de alguém, foi no rosto desse seu novo amigo.
E assim vamos... No decorrer da narrativa somos apresentados ao respeitável Dr. Jekyll, um homem de ciência e moral inabalável, que esconde um segredo sombrio: sua outra metade, seu alter ego não tão respeitável, o hediondo Sr. Hyde. Uma luta interna que é tão aterrorizante quanto extremamente cativante.
Isso mesmo. Dr. Jekyll é o típico bom moço, aquele que sua mãe adoraria convidar para o chá da tarde. Já o Sr. Hyde é justamente o oposto, o convidado surpresa que ninguém quer que apareça, mas que sempre dá as caras nos momentos mais inoportunos. É como se o Dr. Jekyll fosse o cara que traz uma delicada e fresca salada de frutas para a festa, enquanto o Sr. Hyde é aquele que chega com um tambor de óleo, riscando o fósforo para atear fogo à churrasqueira.
A dualidade da natureza humana é o mote da história, que tem aquele toque gótico adorável, enquanto somos levados a questionar os limites da ética na ciência e na medicina e até onde uma pessoa está disposta a ir em nome do progresso e do êxito. Em que o médico se transforma em sua própria cobaia a fim de entender a psique humana, liberando através de poções misteriosas um poder extraordinário, impossível de ser mantido sob um controle adequado. A fera está à solta. E agora?
A droga não era discriminável: não era maligna nem divina, mas derrubava as portas que encarceravam meu temperamento.
Temos aqui um verdadeiro convite à reflexão sobre o bem e o mal que coexistem dentro de cada um de nós, e, também, sobre a repressão e libertação de nossos impulsos mais ocultos. Uma análise sobre a angústia de confrontar os aspectos mais sombrios de nós mesmos.
A transformação de Jekyll em Hyde é uma metáfora expressiva para a batalha que enfrentamos dentro de nós mesmos, entre quem somos e quem podemos nos tornar sob diferentes circunstâncias. Esse lado selvagem que Jekyll libera, chamado Edward Hyde, mostra que ele pode saborear as aventuras da vida sem qualquer remorso. Prostitutas, ópio, bebida, devassidão, depravação, crueldade, na Londres de todos os vícios. E, mesmo apavorado em perder o controle de seu outro eu, ele toma a poção não uma, duas, três, mas várias vezes, porque a existência desse seu duplo representa a libertação dos desejos mais obscuros e as tendências destrutivas que Jekyll tenta suprimir a todo custo.
Naquela época, minha virtude estava adormecida; minha maldade, mantida desperta pela ambição, esta sim pronta e disposta a aproveitar a oportunidade, e a coisa que rastejou de lá de dentro foi Edward Hyde.
A obra inspirou inúmeras adaptações e interpretações e continua a fascinar seja em que roupagem for. E se você pensa que já sabe tudo sobre esta história por causa das inúmeras adaptações, pense novamente! O livro com sua narrativa ágil e cheia de reviravoltas oferece várias camadas e nuances que nenhuma adaptação conseguiu capturar completamente.
Confesso que esperava uma narrativa bem diferente da que encontrei, provavelmente influenciada pelos vários filmes. Com um pouco mais de ação, com mais sangue, o que para a época em que foi escrito seria uma blasfêmia. Felizmente, o que encontrei foi muito mais que isso. Foi um enredo carregado de suspense e significado, pintando um retrato vívido da Londres vitoriana com suas realizações e inovações industriais e científicas e dos dilemas morais de sua época. Datado? Pode até ser, mas o ser humano é sempre o mesmo, não importa em que ano estejamos, o que faz com que nossas questões e preocupações não variem tanto assim.
Se eu for o líder supremo dos pecadores, também serei o líder dos sofredores.
“O Médico e o Monstro” é uma leitura obrigatória para os amantes do terror e do mistério. E talvez ao final da história você pare e se pergunte, assim como eu: quem é o verdadeiro monstro?
FICHA TÉCNICA
Título Original: Strange Case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde
Autor: Robert Louis Stevenson
Editora: Antofágica
Gênero: Ficção Científica de Horror
Tradutores: Felipe Castilho e Enéias Tavares
Conhecendo um pouco mais Robert Louis Stevenson
Robert Louis Stevenson nasceu em Edimburgo, Escócia, Reino Unido, a 13 de novembro de 1850. Cursou Direito – sem que alguma vez tenha chegado a advogar. Na universidade escreveu para o jornal universitário, revelando seu gosto e talento para a arte e a literatura. Decidido a tornar-se escritor, muda-se para Londres em 1873. Pouco depois, em 1876 na França, apaixona-se pela americana Fanny Van de Grift Osbourne com quem, apesar das diversas atribulações por que passaram, viria a se casar.
Contrai tuberculose e muda-se com a mulher e o enteado para a Suíça, para tratar sua doença. Regressa à Escócia, mas o clima só prejudica ainda mais a sua saúde.
Os anos seguintes se passaram à procura de um clima que não agravasse a sua doença, em busca do conforto e do bem-estar, até que finalmente, em 1889, se fixou com a família em Apia, nas Ilhas Samoa onde ganhou reputação como contador de histórias, especialmente entre os nativos.
Morreu em casa no dia 3 de dezembro de 1894, aos 44 anos, vítima de uma hemorragia cerebral, deixando inacabada o que ele considerava como sendo sua obra-prima, “Weir of Hermiston”.
Stevenson é classificado como o 26º autor mais traduzido do mundo. Ele escreveu, entre outros, “O Estranho Caso do Dr. Jekyll e do Sr. Hyde” e “A Ilha do Tesouro”, que o imortalizaram.
Postar um comentário
Antes de comentar, leia com atenção:
Qualquer comentário com teor ofensivo, palavras de baixo calão e qualquer tipo de preconceito ou discriminação será excluído.
Comente educadamente sobre a postagem ou sobre um comentário.
“Fiz a escalada da montanha da vida removendo pedras e plantando flores.” – Cora Coralina.
Vamos deixar o planeta mais florido!
Beijos mil! :-)