Olá, Perdidos! Para dar início às festividades do Outubro Aterrorizante nada melhor do que um conto de Edgar Allan Poe, justamente no dia em que completa 174 anos de sua morte precoce aos 40 anos de idade. Morte tão misteriosa e terrível que mais parece um trecho de uma de suas histórias arrepiantes.
Trata-se de um de seus mais conhecidos e incríveis contos: A Queda Da Casa De Usher. Publicado em 1839 na Burton's Gentleman's Magazine e que em 1840 foi revisado para “Contos do Grotesco e do Arabesco”. O conto é uma obra-prima do gênero gótico do mestre Poe.
Todas as características do conto gótico de Poe estão presentes: a casa mal-assombrada atingida por tempestades e ventos fortes, paisagem sombria, doença misteriosa, acontecimentos sobrenaturais inexplicáveis, personagens perturbados quase loucos, dupla personalidade, espelhamento e mulheres pálidas de saúde frágil, as preferidas do autor.
A história começa com um narrador em primeira pessoa sem nome (colocando o leitor no lugar do próprio narrador) descrevendo a casa de seu amigo de infância Roderick Usher que o convidou para passar uns dias na mansão da família. Lá vivem Roderick e sua irmã gêmea Madeline, os últimos herdeiros da família Usher.
Eu dera tamanha força à minha imaginação que chegara de fato a crer que a mansão e todo o entorno estavam envoltos em uma atmosfera bastante peculiar – uma atmosfera que não guardava afinidade alguma com o ar celestial, mas que exalava fétida das árvores decompostas, das paredes cinzentas e do lago silencioso – um vapor pestilento e místico, denso, inerte, quase imperceptível e plúmbeo.
Diante do cenário decadente e assustador é impossível o narrador não sentir a opressão e os calafrios que o ambiente transmite. É Poe preparando o caminho para o leitor, avisando-o de que entrará na casa por sua conta e risco. E que tudo pode acontecer uma vez que adentre o recinto. E o autor entrega o que promete. A mansão é tão assustadora por dentro quanto é por fora.
Contudo, a decadência que compõe tanto a mansão por dentro quanto sua aparência do lado de fora, que possui uma rachadura quase imperceptível em forma de ziguezague parecendo dividir a casa em duas partes, também se reflete no estado de espírito dos irmãos Usher. Roderick vive em uma condição de decadência física e mental e sua irmã Madeline sofre de uma doença misteriosa e fatal. Assim como a casa, os dois já tiveram dias melhores e de grandeza.
Na verdade, Roderick é um artista talentoso e perturbado que confessa ao amigo seu medo da casa que acredita ser senciente e também o medo de sua própria morte iminente, pois sofre de uma doença hereditária que deixa seus sentidos aguçados no limite do suportável. Enquanto uma “visão fugaz” de Madeline cruzando a sala, ao longe, como uma aparição fantasmagórica, seria a única no conto antes de sua morte inevitável.
aquela dicção abrupta, carregada, arrastada e oca; a elocução pesada, equilibrada e modulada à perfeição de forma gutural, que pode ser observada nos embriagados errantes e nos irrecuperáveis comedores de ópio durante seus períodos de maior agitação.
É claro que uma bela mulher, etérea, que não se exprime, com uma doença fatal e que morre enquanto o narrador visita o amigo completa o pacote melancólico da mansão dos Usher. Além do fato de que Roderick, seguindo as instruções de um manual gótico de uma igreja esquecida, pretende conservar o corpo da irmã na cripta nos porões da casa antes de enterrá-lo no cemitério da família.
Este “sepultamento temporário” acontece na cripta exatamente abaixo dos aposentos do narrador e é revestida com cobre, assim como a porta de ferro maciço que também contava com a mesma proteção do local.
Não vou contar tudo para não estragar as surpresas, mas adianto que como o próprio título do conto já nos informa, a casa desmorona, em meio a uma violenta tempestade, justamente se partindo através daquela rachadura em zigue-zague, agora profunda, e cujas ruínas são engolidas pelo lago e que tem como testemunha de sua queda (tanto da casa como da família), além do próprio narrador, a lua cheia em tons de vermelho-sangue.
Poe constrói pouco a pouco todo o clima assombroso e aterrorizante até chegar ao clímax da história e seu final que deixa qualquer leitor perplexo e cheio de medo, é claro.
– Não escuta? Sim, escuto, já escutei outras vezes. Há tanto... tanto... tanto tempo... muitos minutos, horas, há dias que escuto... mas não ousei... Ah, tenha piedade de mim, pobre desgraçado que sou!
Há muitas nuances a serem descobertas nas obras de Poe. Afinal, nenhum detalhe está lá por mera função decorativa, mesmo que você ache que é isso que acontece. Tudo tem um símbolo e é uma pista a ser seguida pelo leitor mais atento. Tudo é relevante.
APENAS ALGUMAS CURIOSIDADES:
- O título “A Queda da Casa de Usher” tem três significados: a destruição da mansão da família Usher, o fim dos últimos descendentes dos Usher e a ruína da razão.
- A doença de Roderick e a de Madeline estariam relacionados à vampirismo?
- E quanto a relação entre os irmãos, tão sigilosa e ambígua em que “a família inteira permanecia em uma única linha direta de descendência”, implicaria em incesto?
- Usher é o grafema de House (casa) e a letra “O” só aparece no fim, na forma de uma lua cheia vermelho-sangue cuja luz se infiltra por entre a rachadura da casa.
- O nome Roderick compreende a palavra Rock (rocha) e o estremecimento do personagem perto do fim anuncia o estremecimento da própria mansão que está prestes a ruir, também.
- A fenda que divide a mansão encontra correspondência na arquitetura do conto que sofre uma ruptura do fluxo narrativo ao ser introduzido, exatamente no centro, o poema “O Palácio Assombrado” (ed. Darkside).
- Poe criou dois textos dentro do seu conto: o poema “O Palácio Assombrado” e o romance “Mad Trist”. O poema reflete a vida da família Usher na casa. O romance de cavalaria, cheio de dragões, cavaleiros e escudos, relata a história do herói Ethelred em paralelo com o que está acontecendo com Madeline na tumba.
- Consta que no original o poema “O Palácio Assombrado” forma à esquerda de seus versos uma fissura em zigue-zague, uma réplica da fissura na fachada da mansão.
- O convite que Roderick faz ao amigo é, basicamente, para testemunhar o fim da linhagem dos Usher.
- A descrição de Roderick se assemelha muito a própria aparência do autor.
Não perca mais tempo e leia “A Queda da Casa de Usher”, um conto M-A-R-A-V-I-L-H-O-S-O que expressa o máximo da genialidade de Edgar Allan Poe. Leitura obrigatória para quem ama terror e literatura gótica. Confira!
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