Olá, Perdidos! Poe dizia que “Não existe nada mais poético do que a morte de uma bela mulher.” Sem dúvida, muitas das mulheres em sua obra, mortas ou não, são etéreas, fantasmas provenientes de uma mente inquieta.
Em memória aos 173 anos de falecimento de Edgar Allan Poe aos 40 anos de idade, que ocorreu em 7 de outubro, e abrindo o OUTUBRO ATERRORIZANTE apresento a vocês Berenice, conto célebre publicado originalmente na revista Southern Literary Messenger em março de 1835 com uma de suas mulheres mais famosas que, com certeza, está no panteão de beleza de Poe.
Um homem chamado Egeu vive na mansão herdada de seus pais na companhia de sua prima Berenice com quem passou sua infância. Devido a uma doença que ele designa de monomania, Egeu passa períodos de intenso interesse em determinados elementos o que provoca sua separação da realidade. Essas fixações não só o transformam em uma pessoa depressiva e melancólica, mas também fazem com que ele passe seus dias praticamente recluso na mansão coabitando com alguns poucos empregados e sua prima.
Por outro lado, Berenice é o oposto de Egeu, exalando beleza, alegria e saúde. Uma jovem cheia de vida que alegra a casa.
A certa altura, Berenice começa a padecer de uma doença desconhecida que provoca episódios de ataques epiléticos deixando-a catatônica, como num coma, mas recuperando-se de forma repentina. Definhando a olhos vistos, sua condição começa a se assemelhar com a de Egeu o que faz com que os dois se tornem cada vez mais próximos. Tão próximos que ele a pede em casamento.
Sua debilidade e magreza é tanta que a única parte do seu corpo a permanecer saudável são os seus dentes, com os quais Egeu desenvolve uma obsessão.
Sua obsessão pelos dentes alvos e perfeitos de sua noiva é tão grande que nem mesmo após sua morte consegue se esquecer deles.
Egeu, que também é o narrador da história, começa o conto falando sobre sua família, sua mansão e seus livros maravilhosos espalhados pela suntuosa biblioteca na qual diz ter nascido. Ele é a representação da intelectualidade e para ele o mundo não é um local para se viver, mas para passar bons momentos pensando.
Ele se retrata com um distúrbio psicológico chamado de monomania, ou seja, uma alienação mental em que uma única ideia parece absorver todas as faculdades mentais do indivíduo. E foi justamente essa alienação que, eventualmente, o fez cometer um ato horrível – o qual ele não se lembra e sequer consegue assimilar após o conhecimento do que fez.
E, então, conhecemos sua prima Berenice, uma pessoa completamente diferente de Egeu. Cheia de vitalidade, deseja viver a vida de forma completa, aproveitando cada momento do mundo a sua volta.
Apesar de outrora hipnotizado pela “beleza incomparável” de sua prima, Egeu, realmente, só se interessou por Berenice após toda essa sua beleza e sua vitalidade terem começado a se esvair, dando lugar a uma aparência abatida e mórbida devido a epilepsia e a catalepsia, doenças descritas por ele.
Na estranha anomalia de minha existência, os sentimentos, comigo, nunca provinham do coração, e minhas paixões eram sempre da mente.
Vale lembrar que aos olhos deturpados pelo distúrbio de Egeu, sua prima e noiva se torna sua semelhante na miséria, “na distorção singular e deveras consternadora de sua identidade pessoal”. Ele a via “não como uma criatura a ser admirada, mas analisada – não como um objeto de amor, mas como o tema da mais abstrusa conquanto desconexa especulação”.
Para culminar, a personagem é oprimida e não emite uma palavra sequer durante a narrativa, pois sua função no conto é, simplesmente, ser bela e morrer para se tornar mais uma etérea na lista de Poe.
A miséria é múltipla. A desgraça do mundo é multiforme. [...] Como pode ser que da beleza derivei um tipo de desencanto?
O choque ao lerem o conto pela primeira vez fez com os leitores na época de sua publicação reclamassem com o editor Thomas W. White o que originou uma edição editada/censurada em 1840, em que alguns parágrafos foram suprimidos. E Poe, com relação aos leitores chocados, disse que “Você pode dizer que é de mau gosto. Eu tenho minhas dúvidas”. Não acho que seja de mau gosto não, Poe. Se é chocante? Indubitavelmente. Mas, é terror! Puro e simples. Tem que ser desconfortável de algum jeito.
Contudo, a própria desgraça grotesca que se apresenta ao fim do conto pode ser uma espécie de redenção e vista como uma ação positiva que ocorre acidentalmente. Será mesmo? Tem que ler para entender o que quero dizer.
Teria Poe escolhido o nome Egeu que em grego significa Rei de Atenas porque a pessoa com esse nome costuma ser filosófica, pensadora e introvertida, além de individualista e silenciosa nos relacionamentos pessoais? E Berenice que em grego quer dizer a portadora da vitória, pois indica uma pessoa criativa que luta com unhas e dentes (!!!) pelos seus objetivos? Talvez, afinal com Poe nada era feito sem pensar.
As realidades do mundo pareciam-me visões, e não mais do que apenas visões, ao passo que as fantásticas ideações do país dos sonhos tornam-se, por sua vez, – não a matéria mesma da minha existência cotidiana – mas completa e unicamente a própria existência em si.
Enfim, Poe nos apresenta um conto cheio de dualidades, comparando o antes com o depois, a alegria com a melancolia, a loucura com a sanidade e a vida com a morte. Tenho que salientar que só conhecemos a visão de Egeu, um homem com problemas psicológicos sérios e, portanto, um narrador não muito confiável. Será tudo verdade ou imaginação dele?
Poe, como ninguém, mostra o lado mais obscuro do ser humano e seus pensamentos obsessivos e cruéis. E durante o conto nossa aflição cresce a cada instante. Os dentes “longos, estreitos e excessivamente brancos” não saem da cabeça de Egeu que os joga em nossa mente para pensarmos em nossa própria mortalidade. Dá arrepios ao pensar nesses dentes!
E num sorriso de peculiar expressão os dentes da transformada Berenice revelaram-se vagarosamente à minha visão.
Totalmente focado no seu mais novo objeto de estudo, temos aqui mais uma alma atormentada retratada por Poe com sua obsessão alcançando o ápice no túmulo de Berenice. Dá para imaginar o que foi, não é mesmo? Será?
A história tem aquela vibe um tanto quanto bizarra de Poe e ao final do conto ficamos boquiabertos, quer dizer, neste caso é melhor fechar muito bem a boca. A tensão e o suspense só aumentam. O que posso ressaltar é que se você tem algum problema com dentes, superstições ou coisas do gênero, passe batido pelo conto e não tente dar aquela olhadinha cheia de curiosidade. Depois não diga que não avisei.
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