[OUTUBRO ATERRORIZANTE] [Conto Edgar Allan Poe] Sombra – Uma Parábola



Olá, Perdidos! Mais um conto de Edgar Allan Poe para animar ainda mais o mês do terror: Sombra – Uma Parábola

Cada detalhe e conexão no conto tem um propósito e nem tudo é apenas o que parece ser. 






A história é sobre Oinos, o grego, que deixou suas memórias para a posteridade. Nelas ele relata o ano 794 como um ano de terror em que uma praga se alastrou por sua cidade, Ptolemais. 

Ele e mais seis pessoas se abrigaram num nobre vestíbulo em que a única entrada possível estava trancada por dentro. 

Se esbaldavam em uma orgia de vinho e alegria, enquanto o jovem Zoilo estava deitado no chão, morto e envolto em sua mortalha. Seria o velório do rapaz? 

Então surgiu sobre a superfície da porta uma forma indefinida, uma sombra saída das cortinas e encostada aos pés do jovem morto. 

O que seria essa sombra? 




Este curtíssimo conto foi publicado pela primeira vez em 1835 na revista Southern Literary Messenger que teve Poe no cargo de editor entre 1835 e 1837. 

Poe nos conduz a um vestíbulo, uma antessala, mas que na narrativa é onde acontece uma comemoração regada a muito vinho e canções. 

Nesta reunião festiva entre amigos, conhecemos Oinos, narrador e personagem. Um grego da Antiguidade que se declara pertencente ao mundo dos mortos (!), deixando suas impressões sobre o ocorrido no vestíbulo para futuros leitores que poderão tirar suas próprias conclusões dos fatos apresentados. E esclarece que todos no recinto são testemunhas, enaltecendo a veracidade do relato. 

O narrador situa o acontecido no tempo astrológico quando menciona um grande evento percebido por astrônomos e astrólogos que explicaria o que ele chamou de “um ano de terror”: o raro alinhamento entre os planetas Júpiter e Saturno, e suas alterações quando ocorre em Áries, correspondendo a um ciclo de 794 anos, caracterizado por pestilências sobre mar e terra. 

Com uma rápida pesquisa na internet, descobri que os antigos astrólogos gregos, persas e árabes previam a ascensão e o declínio de seus impérios e reinados embasados neste ciclo, que ocorre no primeiro decanato de Áries, o mais importante destes dois gigantes que são considerados antagônicos, pois Júpiter é tido como o grande benfeitor e Saturno como o grande maléfico. 


Foi um ano de terror, e de sentimentos mais intensos que o terror. [...] em toda parte, sobre mar e terra, a pestilência estendera suas asas negras. 


No recinto festivo, temos uma situação insólita: o cadáver do jovem Zoilo. Uma bizarrice a mais na celebração que é realizada em meio a um flagelo. Seu nome em grego é sinônimo de crítica invejosa e mordaz. Estranhamente seus olhos estão fixos em Oinos e parecem julgar todos ali como se ainda estivesse vivo. Talvez por isso Oinos se refira a ele como “o gênio e o demônio da cena”. 

Com uma história cheia de simbolismos, descobrimos que Oinos significa vinho em grego, referência direta ao Deus grego Dionísio, conhecido pelos romanos como Baco, deus da libido e protetor das vinhas e do vinho, cujos rituais religiosos estavam ligados à orgia e ao erotismo. Durante a festa, Oinos, associa o vinho ao sangue (“embora o vinho nos recordasse o sangue”), situando a bebida entre o sagrado e o profano. 

Ao todo são sete os participantes dessa orgia de vinho no “nobre vestíbulo” e são sete as lâmpadas de ferro que iluminam o local da orgia. Ora, sete é o número da perfeição divina, da transformação e da totalidade do universo em movimento. No livro bíblico do Apocalipse, sete lâmpadas de fogo ardem significando os sete Espíritos de Deus diante de Seu trono. Entretanto Poe vai na contramão do canônico e ilumina uma orgia com suas sete lâmpadas! 

Por falar em trono... temos mais símbolos. O deus da mitologia grega Hades (Plutão para os romanos) tinha um trono de ébano de onde governava o mundo dos mortos e das sombras. Vale lembrar que a mesa do vestíbulo é uma “mesa redonda de ébano”, cujo brilho intenso forma um espelho revelando o reflexo da verdadeira natureza interior e da consciência de cada integrante do grupo.  


No espelho que seu brilho formava sobre a mesa redonda de ébano, cada um de nós revia a palidez do próprio rosto, e um brilho inquieto nos olhos baixos dos demais. 


Com a festa em andamento, eis que surge um intruso que não era uma presença humana nem divina, apenas uma sombra, mas “não era sombra de homem, nem de Deus, nem de coisa alguma conhecida”. E como tudo que é desconhecido, provoca temor e desconfiança em quem a vê. Uma alusão ao eterno medo do ser humano do inexplicável. 





Na epígrafe que encabeça o conto, o autor menciona uma passagem da Bíblia, livro cheio de parábolas, e insere como pista o Salmo de Davi: “Sim! Embora eu caminhe pelo vale da Sombra” e completando o salmo 23:4 “...vale da Sombra da Morte”. 

E com passe-livre por entre portas de bronze, ao final do conto a própria sombra se identifica. 



Parábola 

Parábola é uma pequena narrativa alegórica que envolve algum preceito de moral, alguma verdade importante. Ou seja, um relato que descreve uma ação e suas consequências, cheio de simbolismos que devem ser interpretados para obter um ensinamento de caráter moral. Também pode ser referida como metáfora, símbolo, representação e alegoria




Nomes e Lugares Gregos do Conto 


Ptolemais – uma das antigas capitais da província romana de Cirenaica (atual Líbia). A cidade foi provavelmente fundada no século VI ou VII a.C. por imigrantes de Barca, uma antiga colônia grega no Norte de África, que se tornou mais tarde uma cidade romana e bizantina. 

Caronte – na mitologia grega, era o barqueiro responsável pela condução das almas dos falecidos através dos rios que separavam o mundo dos vivos do mundo dos mortos. 

Quios – uma unidade regional da Grécia no mar Egeu. A ilha é famosa por ter se tornado a maior exportadora de vinho grego, reconhecido por sua qualidade alta. 

Anacreonte – poeta grego que cantava as musas, Dionísio (vinho) e foi o inventor das canções de amor. 

Teios – cidade marítima da Jônia e pátria de Anacreonte. 

Corinos – cidadão de Corinto, cidade grega famosa na época por seu trabalho com metais. 

Helusion – Poe se refere a Elysium ou os Campos Elísios lugar do mundo dos mortos, governado por Hades. O Paraíso. 




Esta é uma história cheia de referências e simbologias bíblicas e mitológicas em que Poe narra o encontro dos seus personagens com uma figura misteriosa e indefinível, alguma coisa desconhecida de que não se pode esconder nem fugir e, por isso, aterradora. 

O autor reúne a mitologia grega repleta de deuses e semideuses com a cristã e os acontecimentos bíblicos. Crenças que se complementam para formar uma narrativa sombria em que uma epidemia destrói famílias e cidades, carregando a morte que trespassa uma “alta porta de bronze” e “cortinas negras” fechadas, desprezando seus esforços em afastar males ou ocultar os céus e a calamidade nas ruas a fim de proteger quem está atrás delas. 


Mas a sombra era vaga, e sem forma, e indefinida, não era sombra de homem nem de Deus – nem do Deus da Grécia, nem do Deus da Caldeia, nem qualquer Deus egípcio. 


De certo modo ele sugere algumas reflexões sobre a morte, o que ela representa, seus indícios, sua inexorabilidade e seu aspecto sobrenatural. 

Mas, quem sabe sua real intenção fosse produzir uma atmosfera mística cheia de tensão com “coisas estranhas” e “coisas secretas” para nos envolver em sensações profundas, presos num ambiente escuro e claustrofóbico criado progressivamente ao nos deparamos com uma situação implacável e desoladora. Desse modo, enxergamos o mundo sombrio sob sua ótica. 

Tendo aprendido uma lição ou não, só posso dizer que foi muito divertido tentar ler e descobrir alguns dos vários simbolismos nas entrelinhas deste conto tão curtinho de Poe e entender que... 

...nem tudo é apenas o que parece ser. Talvez seja essa a verdadeira lição. 



Autor: Edgar Allan Poe     
Título: Sombra – Uma Parábola    
Título Original: Shadow – A Parable   
Ano: 1835  
Gênero: Conto de Terror    








Até a próxima! 
Beijos mil! :-)

Criss 




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