[OUTUBRO ATERRORIZANTE]: “Frankenstein ou O Prometeu Moderno” Desafia Os Deuses


Perdidas e Perdidos. [A noite é sombria e melancólica. Aldeões irados seguram tochas acessas. Agitam ferozmente no ar seus forcados e enxadas, instrumentos que de dia são usados na labuta da terra, mas que esta noite se transformaram em armas. Gritam alto “Morte ao monstro!”, como um mantra repetido inúmeras vezes enquanto perseguem implacavelmente a criatura colossal.] Essa cena faz parte do imaginário coletivo quando o assunto é Frankenstein. Mas, não foi bem assim que Mary Shelley escreveu na sua obra-prima Frankenstein Ou O Prometeu Moderno

OUTUBRO ATERRORIZANTE


A história começa com o Capitão Robert Walton, aventureiro que saiu numa expedição para chegar ao Polo Norte, mas que acabou encalhando em águas cheias de gelo. Solitário, sua única distração é escrever cartas para sua irmã Margaret, sobre a situação da expedição, sua solidão e outros interesses. Uma espécie de diário de bordo. Até que uma novidade mais dramática e inacreditável passa a fazer parte de suas epístolas. A tripulação encontra um homem ferido e perdido no meio do nada, ao qual ele dá assistência e conforto em seu navio. Esse homem é Victor Frankenstein. Imediatamente, Victor e Walton iniciam uma amizade. Isolados e aprisionados pelo gelo, Victor, fraco e doente, decide contar para seu novo amigo, sua história e como ele chegou até aquela paisagem tão desolada. 

Ele narra a Walton fatos de sua infância abastada em Genebra, na Suíça, e o início de sua adolescência. E, quando ingressou aos dezessete anos na Universidade de Ingolstadt, na Bavária, Alemanha, para se aprofundar nos estudos científicos. Expõe sua fascinação pela filosofia natural, a precursora das ciências naturais, e pelos autores de alquimia como Cornélio Agrippa e Theophrastus Paracelso e de filosofia como Alberto Magno. Victor também descreve sua grande decepção pela ciência nada metódica e conclusiva dos românticos e ultrapassados autores de sua juventude. E conta que seu entusiasmo foi revigorado quando estabeleceu uma nova ambição em sua carreira profissional: desvendar os mistérios da Criação para então criar vida em seu laboratório

Tanto foi feito, exclamou a alma de Frankenstein – mais, muito mais realizarei; seguindo os passos já marcados, serei pioneiro em um novo caminho, explorarei os poderes desconhecidos e revelarei ao mundo os mistérios mais profundos da criação. 

Inconformado com a mortalidade e mergulhado em seus próprios tormentos, Victor, sem entrar em detalhes, revela que criou vida a partir da morte e que reuniu, conectou e costurou pedaços de cadáveres para montar uma criatura gigantesca e medonha. E como através da corrente elétrica, aplicando seus estudos galvânicos, ele animou e deu vida à tal criatura. Conta como trabalhou incansavelmente dia e noite em sua criação, quase que à beira da loucura, para depois fugir dela apavorado, deixando-a a seu bel-prazer e de como ficou doente em decorrência de sua obsessão até ser resgatado por seu grande amigo Clerval. Assim como todas as mazelas que este novo ser, ou demônio, como ele se referia a sua criação, provocou em sua vida. 


OUTUBRO ATERRORIZANTE


O Livro   

Mary Shelley criou uma obra magnífica e icônica do terror moderno que questiona desde a ética médica até a responsabilidade da criação. Ela abriu as portas para a ficção científica e para a discussão de temas como a criação de vida artificial e a imortalidade, uma busca constante do ser humano, assuntos comuns nos dias de hoje. Quase uma profecia para os tempos atuais com o empenho de cientistas em vencer a morte e criar vida a partir do laboratório, pelo meio de transplantes, células-tronco, clones, engenharia genética e inteligência artificial. Contudo, a premissa básica de Frankenstein é a relação conturbada entre a criatura e seu criador. 

Eletricidade era a grande novidade na época de Mary Shelley e o galvanismo, método criado pelo cientista italiano Galvani, que acreditava que era possível estimular músculos por meio de pulsos elétricos, era o assunto do momento. Contudo foi Alessandro Volta que inventou a pilha eletroquímica, chamada de pilha voltaica com uma corrente elétrica constante, mas incapaz de criar vida. Então... por que não usar o galvanismo para reanimar a matéria e criar uma criatura para seu Frankenstein? E foi exatamente o que o seu Victor fez. 

Trabalhei com afinco por quase dois anos com o único propósito de infundir vida em um corpo inanimado. Para isso, privei-me do descanso e da saúde. Desejara esse projeto com um ardor que em muito excedia minha moderação; mas agora que terminara, a beleza do sonho se desvaneceu, e meu coração estava repleto de desgosto e horror. 

Victor Frankenstein

Victor Frankenstein é um médico e cientista ambicioso. Nada daquela história tão batida de cientista maluco. Nada disso. Através de processos que não são descritos na obra e obcecado com a fama e o poder em potencial de ser capaz de criar e manipular a vida com corpos inanimados, Victor não mede esforços e sequer pensa nas consequências de seus atos, as quais o perseguirão esteja onde estiver. Planeja uma criatura com pedaços de corpos que ele mesmo uniu até formar um ser descomunal, “com aproximadamente dois metros e meio de altura e proporcionalmente grande”, e sem olhar para trás, executa seu projeto e cria vida onde antes apenas existia morte. Tomando para si a fórmula da Criação e o lugar que pertencia exclusivamente a Deus. Seria seu passaporte para o reconhecimento. 

Porém, ao desafiar a natureza, sente-se atormentado com o novo ser hediondo, que após tantas noites sem dormir e todos os seus maiores esforços criaram. Victor, egoísta como sempre demonstrou, enjeita sua criação e renega qualquer responsabilidade para com ela, selando, assim, o seu destino. Como diz o ditado popular: “quando o filho é feio ninguém quer ser o pai!” Abandonou sua criação, assim como se abandona um recém-nascido à mercê da própria sorte. Se olharmos atentamente, independentemente de sua estatura e de como ela foi feita, a criatura nada mais era do que um recém-nascido e foi desprezada por ser considerada um erro. 

A Criatura 

A criatura desamparada por seu criador é maltratada e afugentada. Diferentemente do que o cinema imortalizou e popularizou, a criatura não possui a pele verde ou parafusos na cabeça e tampouco é desajeitada, muito pelo contrário. Autodidata, ela aprende a falar, ler e, inclusive, a entender as emoções humanas. Mostra-se inteligente, eloquente, bondosa e sagaz. Mas sua aparência aterrorizante e muito diferente do comum, venda os olhos assombrados das pessoas para seu verdadeiro interior bondoso e prestativo. Seu único interesse é ser aceito e amado pelos demais, mas seus atos de bondade são sempre retribuídos com hostilidade. 




−Todos os homens odeiam o ignóbil; como devo ser odiado, eu, a mais miserável de todas as coisas vivas! Não obstante, você, meu criador, detesta-me e trata-me com desprezo, sua própria criatura, a quem é unido por laços que só se dissolverão com a destruição de um de nós. 

Então, como a criatura pode ser aceita pelos outros se seu próprio criador não a suporta? Como ela pode se manter com o coração e a mente equilibrados se todos a repelem? Numa relação de amor e ódio com seu criador, os dois praticamente iniciam uma disputa de vida e morte. Destituída de aceitação, carinho e compaixão e sem ter seus pedidos atendidos por Frankenstein para amenizar sua solidão, a criatura torna-se rancorosa e desiludida. Não reconhecendo lugar para ela e nem o propósito de sua existência no mundo dos Homens, passa a alimentar um ódio descontrolado que desconta em seu criador e em todos a quem ele ama. Ela torna-se verdadeiramente má, como todos a julgam. 

Vale lembrar que ninguém é só santo ou só demônio. Essa dualidade comprova que somos muito mais complexos do que isso, afinal somos seres humanos. 

Sobre A Leitura 

Durante a leitura é impossível não se perguntar quem é o verdadeiro monstro, se Victor ou o ser que ele criou. Ou seja, a criatura cuja monstruosidade lhe foi dada ou o criador que desenvolveu esta aberração e depois a largou sozinha no mundo? 

Conhecimento é poder e Victor usa o seu conhecimento para usos imorais e antiéticos. Tudo que ele faz é em nome da ciência ou do estrelato? Até onde o Homem deve ir? Monta e anima um espécime repugnante, sem amparo, nem sequer um nome. Para todos nós ele se torna o Monstro de Frankenstein. Do outro lado, a criatura não consegue se ajustar à sociedade que sempre a afugenta, começando por seu criador, e passa a cometer atrocidades. 

Seria o homem, ao mesmo tempo, de fato, tão poderoso, virtuoso e magnífico e, no entanto, tão vicioso e desprezível? 

Edições De Frankenstein  

Vamos falar um pouco sobre o livro. Esta edição da Darkside está para lá de maravilhosa: a capa dura, com marcador, e a arte perturbadora de Pedro Franz demonstram a preocupação com os detalhes da obra. Tem os prefácios das edições de 1818 e 1831; quatro contos de Mary Shelley sobre a imortalidade, no final do livro; e uma resenha de Percy Shelley, seu marido. 

Além disso, há uma introdução da editora Darkside explicando o cenário em que Mary Shelley vivia para termos maior compreensão do que esta senhorita de dezoito aninhos realizou. Relata em detalhes como a motivação para escrever sua obra-prima ocorreu, na famosa reunião com o anfitrião Lorde Byron, nada mais nada menos do que o maior poeta inglês da época, e alguns amigos numa noite chuvosa e sombria de 1816, do que ficou conhecido como “o verão que nunca aconteceu”. Inspirado pela leitura de Fantasmagoriana (hit literário da época), Lorde Byron desafiou seus convidados a escrever uma história de fantasmas. Nascia Frankenstein




Só para você saber, o livro Frankenstein teve três edições que ao longo do tempo foram revisadas e reduzidas pela própria autora. A primeira foi feita em 1818 e tinha três volumes. A segunda edição, de 1823, contava com dois volumes. Já a terceira e a mais famosa foi realizada em 1831 e foi reformulada para uma edição popular em um único volume. 

[...] Criador insensível e sem coração! Dotou-me de percepções e paixões e depois dispensou-me como um objeto de escárnio e horror da humanidade! 

Sobre Prometeu, O Titã Apaixonado Pela Raça Humana  

Prometeu é um titã da Mitologia Grega e seu nome significa “premeditação”. De acordo com o mito, Prometeu e seu irmão Epimeteu receberam a tarefa de criar todos os animais e os homens. Depois que Epimeteu gastou todos os recursos para criar os animais, Prometeu moldou com água e argila o homem e criou a raça humana. 

Embora fosse um imortal, Prometeu se encantou com os Homens e concedeu-lhes o poder do raciocínio, além de transmitir-lhes várias aptidões. Por apreciar ficar na companhia deles, mais do que na dos deuses, Zeus, enciumado com as preferências do titã e enfurecido por sentir-se ludibriado por ele depois de uma espécie de “pegadinha”, retirou da raça humana o conhecimento do fogo. 

Tentando favorecer a humanidade, Prometeu subiu ao Olimpo e roubou o fogo dos deuses e o entregou aos Homens, garantindo sua supremacia sobre os demais seres vivos. Cheio de ira, Zeus puniu Prometeu, acorrentando-o no alto do Monte Cáucaso por 30 mil anos, os quais ele teria seu fígado bicado, diariamente, por uma águia. Sendo imortal, seu órgão se regenerava constantemente e o ciclo recomeçava. Até que Hércules o salvou, mas isso é outra história. 

Assim, Frankenstein torna-se uma fábula moderna para os riscos do orgulho intelectual desmedido.   (Márcia Xavier de Brito – Introdução Darkside

E aí está a semelhança entre Prometeu e Frankenstein. Prometeu confrontou a autoridade dos deuses, criou a raça humana e garantiu seu domínio sobre os outros animais quando lhe deu o Fogo do Olimpo e pagou um preço alto por sua insubordinação. Assim como Frankenstein que manipulou a ciência, desbancou a natureza e Deus e criou um ser monstruoso, sem questionamentos e sem responsabilidades futuras, pagando caro por suas ações, também. 


Que natureza estranha é a do conhecimento! Adere à mente e, uma vez que lá esteja, domina como um líquen na rocha. 


Mary Shelley criou uma história original, atemporal e assustadora, unindo o conhecimento científico da época a uma crítica social. Com características góticas, como a solidão e o grotesco sempre presentes em seus personagens, Frankenstein é uma leitura obrigatória e INESQUECÍVEL. O final da história é belíssimo e me arriscaria a dizer, poético, mas com um sabor um tanto quanto agridoce. Certamente é um livro essencial, que não deve faltar em sua estante e que merece ser lido e relido, muitas e muitas vezes.  


FICHA TÉCNICA 

Título: Frankenstein ou O Prometeu Moderno     
Título Original: Frankenstein, or, The Modern Prometheus   
Autor: Mary Shelley   
Ano: 2017 
Páginas: 304  
Editora: Darkside  
Gênero: Ficção Científica e Terror  
Tradutores: Márcia Xavier de Brito e Carlos Primati  
  

AUTOR  
Frankenstein ou o Prometeu Moderno

Mary Wollstonecraft Godwin, mais conhecida como Mary Shelley, nasceu em Londres, Inglaterra, em 30 de agosto de 1797. Seus pais foram o filósofo, escritor e jornalista William Godwin e a feminista, educadora e escritora Mary Wollstonecraft, uma das primeiras defensoras dos direitos das mulheres, e que faleceu poucos dias depois de dar à luz a Mary. Sua formação cultural foi rica e informal e, desde a tenra idade foi intelectualmente estimulada. 

Aos 17 anos, se apaixonou por Percy Bysshe Shelley e os dois fugiram para viverem seu grande amor. Em 1816, Mary e Percy se casaram e ela passou a se chamar Mary Wollstonecraft Shelley. Nesse mesmo ano, o casal foi passar o verão em Genebra, na Suíça, na mansão de Lorde Byron, o maior poeta romântico do século XIX. E foi desse encontro que surgiu sua obra-prima Frankenstein ou o Prometeu Moderno (1818).  

Com uma vida cheia de dificuldades, dedicou-se ao filho e em publicar os trabalhos de Percy, falecido em 1822, além de apostar mais em sua própria carreira literária. Mary Shelley escreveu também Matilda (1819) Valperga (1823), O Último Homem (1826), Lodore (1835), entre outros. Também fez várias contribuições em muitos contos e ensaios

Em 1 de fevereiro de 1851, em Londres, Inglaterra, Mary Shelley morreu em decorrência de um tumor cerebral aos 53 anos. 





Até a próxima! 
Beijos mil! :-) 

Criss 

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