“A Mão Esquerda Da Escuridão”, Uma Fonte De Luz E Transformação



Olá, Perdidos! Frio. Gelo. Neve. Neve no ar. Neve no chão. Neve na cidade. Neve no campo. Neve por todo lado e frio. Frio. Muito frio. Um clima inclemente com temperaturas extremas congelantes e termos para os vários tipos de frio e neve. Não foi à toa que os Primeiros Investigadores que chegaram ao planeta Gethen deram a ele o nome de Inverno. Esse mundo inóspito e desesperador (por que não?) é o cenário que a autora elaborou para sua história tão criativa e interessante e, até hoje, tão relevante. É exatamente isso que vemos em A Mão Esquerda da Escuridão, obra de Ursula K. Le Guin, publicada em 1969. 

Basicamente, acompanhamos Genly Ai, um humano terráqueo enviado sozinho a Gethen, enquanto seus companheiros hibernam na nave em órbita, com a missão de convencer seus governantes a se unirem a uma grande comunidade universal, uma espécie de ONU interplanetária, bem ao estilo da Federação de Planetas Unidos de Star Trek, conhecida como Ekumen. Enquanto ele passa anos tentando compreender a complexidade desta sociedade, percebemos o quanto continua despreparado, preso em suas próprias dificuldades de aceitação do perfil dos nativos humanoides. 


O Ekumen não é um reino, mas um coordenador, uma câmara de compensação de comércio e conhecimento. 


Mesmo assim, tentar convencer um povo tão distinto em sua evolução é uma tarefa difícil. Incrédulos e desconfiados por natureza, os nativos não só não acreditam em Genly Ai como acham que tudo não passa de uma armadilha política de um outro reino em Gethen. E, embora, não conheçam o conceito de guerra no planeta, não faltam assassinatos, contendas, exposições vergonhosas, torturas e exílio. 

Mas, qual a dificuldade de Genly Ai? Não podemos esquecer que ele é o alienígena da história. E o maior enfrentamento (melhor dizendo, estranhamento) de Genly Ai é ser considerado uma aberração em um mundo onde as pessoas são ambissexuais e alternam de gênero periodicamente na época do acasalamento ou kemmer

Como assim? Em Gethen não há distinção de gênero, ou seja, os nativos não são separados por gênero masculino e feminino e, por isso, ele precisa repensar suas crenças e conceitos sobre o que é ser homem ou mulher num mundo em que isso não tem a menor importância. E por ser um cisgênero, aos olhos dos gethenianos, é um pervertido por estar “sempre no cio”, pois ele vem de um planeta onde o sexo é permanente. 


Fora divertido e fascinante encontrar, aqui em Gethen, governos tão parecidos com os das histórias antigas da Terra: uma monarquia e uma burocracia genuína e madura. Este novo evento também era fascinante, mas menos divertido. Foi estranho constatar que a sociedade menos primitiva era a mais sinistra. 






Aqui estão alguns pontos-chave sobre o livro:


  1. OUTRO PLANETA: A história se passa no planeta Gethen, também chamado de Inverno, onde os habitantes são andróginos e só adotam um sexo (não há escolha, o processo é totalmente aleatório todas as vezes que ocorre) durante o período reprodutivo chamado kemmer. Fora desse período, eles são assexuados e não possuem diferenças físicas ou comportamentais entre si.
  2. DIFICULDADES DO PROTAGONISTA: O protagonista é Genly Ai, um emissário do Ekumen, uma federação interplanetária que busca integrar Gethen à sua comunidade. Ele enfrenta dificuldades culturais, políticas e climáticas para cumprir sua missão a qual está totalmente despreparado. Genly Ai não consegue se desvencilhar dos estereótipos que envolvem cada gênero e se mostra altamente preconceituoso e machista quando percebe uma voz mais fina, ações mais delicadas e conceitos mais amplos. Sem o menor tato diplomático, também não consegue alcançar os pormenores políticos a que está exposto. Além do clima rigoroso ao qual não consegue se acostumar.
  3. QUESTIONAMENTOS: O livro explora temas como identidade de gênero, sexualidade, alteridade, política, diplomacia, relações sociais, conflito, religião, lealdade e amizade. Ele também questiona os conceitos de masculino e feminino e como eles influenciam a sociedade e a psicologia humana.
  4. NARRAÇÃO DA HISTÓRIA: O livro é narrado alternadamente por Genly Ai e por Therem Harth rem ir Estraven, um político getheniano que se torna aliado de Genly ou Genry como todos o chamam por terem dificuldade com a letra L. O livro também inclui trechos de mitos, lendas e registros históricos de Gethen, que enriquecem e explicam um pouco mais o universo criado por Le Guin. E é, justamente, através da perspectiva de Genly Ai que somos levados a questionar nossas próprias concepções de gênero e identidade. 
  5. PRÊMIOS E RELEVÂNCIA: O livro foi publicado em 1969 e recebeu os prêmios Hugo e Nebula, os mais prestigiados da Ficção Científica. Ele é considerado um marco na literatura de fantasia e ficção científica e uma referência para a discussão de gênero na literatura moderna. O livro faz parte de um universo ficcional chamado Ciclo de Hain (ou Hainish), planeta que colonizou vários outros, dentre eles, a Terra! Nesse universo existem vários planetas habitados por diferentes espécies humanas que são visitados por emissários do Ekumen. Os livros possuem histórias independentes. 



Uma voz proclamando a verdade é uma força maior do que frotas e exércitos, se lhe derem tempo. 


Com uma escrita tremendamente agradável e poética, a autora nos desafia a refletir sobre a dualidade de gênero, de cultura, de política, de clima, de luz e de sombra. 

O mundo imaginado por Le Guin é rico em detalhes e personagens profundos. Um livro ideal para quem deseja sair da zona de conforto e pensar sobre as complexidades da identidade humana. 

O que importa mais que tudo? A pessoa que somos por dentro ou nossas características masculinas ou femininas? É o gênero que dita quem é mais confiável e mais capaz? Que dita quem é assassino e traidor ou quem é vítima e honesto? Afinal, somos o que temos por dentro ou o que apresentamos ser fisicamente? 


Amigo. O que é um amigo, num mundo onde qualquer amigo pode ser um amante quando muda a fase da lua? Não eu, trancado em minha virilidade: não era amigo de Therem Harth, ou de qualquer outro de sua raça. Nem homem nem mulher, nenhum dos dois e ambos, cíclicos, lunares, metamorfoseando-se sob o toque das mãos, crianças defeituosas colocadas no berço da humanidade, não eram carne da minha carne, não eram meus amigos; não haveria amor entre nós. 


Estraven é um personagem que gostei muito por ser ágil, inteligente, sagaz e ter uma visão focada no futuro do planeta que insiste em se manter isolado. Achei ele muito mais interessante que Genly Ai

Não é uma leitura das mais fáceis. Há uma certa estranheza nas primeiras páginas, devido a alguns termos criados pela autora como “shifgrethor”, “nusuth”, “thangen”, “somer”, “kemmer”..., mas depois é como se fizéssemos parte daquele mundo. Por isso, insista. Anote em um caderninho as palavras diferentes e seus significados que praticamente são explicados quando aparecem. Encare esse desafio e não se arrependerá. 

Apesar da originalidade em criar um planeta cuja espécie não possui gênero definido, mas a capacidade de desenvolver os dois gêneros, ficamos presos na percepção crítica e estereotipada de Genly Ai, um típico macho humano que acaba influenciando na narrativa e nos personagens por não entender o conceito dessa nova cultura. Teria sido proposital esse ponto de vista? 


Entretanto, o próprio uso do pronome em meus pensamentos me leva, continuamente, a esquecer que o karhideano diante de mim não é um homem, mas um homem-mulher. 


Não podemos esquecer que Le Guin escreveu sua história inovadora no final dos anos 1960 num mercado basicamente masculino e só isso já basta para acalorar quaisquer discussões apresentadas no livro, mesmo que ela tenha caído em algumas das armadilhas que tanto queria desarmar. 

Não deixe de ler. Recomendo demais! 



 FICHA TÉCNICA 


Título: A Mão Esquerda da Escuridão 
Título Original: The Left Hand of Darkness 
Autor: Ursula K. Le Guin 
Ano: 2019 
Páginas: 304 
Editora: Aleph 
Gênero: Ficção Científica 
Tradutor: Susana L. de Alexandria 
  

Conhecendo um pouco mais Ursula K. Le Guin 






Ursula Kroeber Le Guin ou, simplesmente, Ursula K. Le Guin nasceu na Califórnia, nos Estados Unidos, em 21 de outubro de 1929. Foi uma das escritoras de ficção científica e fantasia mais proeminentes do mundo. 

Vencedora de mais de cinquenta prêmios literários e criadora de diversos universos ficcionais, Ursula também era poeta, ensaísta e autora de livros infantis. Ficou conhecida por livros como A Mão Esquerda Da Escuridão, Os Despossuídos e a série de fantasia Ciclo Terramar, além de ter sido indicada ao Pulitzer pelo livro de contos Searod

Tendo influenciado muitos autores, faleceu em 22 de janeiro de 2018 na sua casa em Portland, aos 88 anos. 










Até a próxima! 
Beijos mil! :-) 

Criss 



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