[ESTANTE DO NOEL] [Conto Lygia Fagundes Telles] Natal Na Barca



Olá, Perdidos! Mais um conto para comemorar o Natal. Este é bem diferente e se passa num local inusitado. Natal Na Barca, conto de Lygia Fagundes Telles, deixa a gente desnorteado. Vem conferir! 




 

A história se passa numa barca atravessando um rio na noite de Natal. Na barca se encontram apenas quatro passageiros: um velho bêbado, uma jovem mulher com uma criança e a própria narradora que “não quero nem devo lembrar aqui por que me encontrava naquela barca”. 

Durante a travessia impera o silêncio, a solidão e a treva. Há apenas uma lanterna para iluminar todos enquanto a barca cruza a água gelada. 

Iniciar um diálogo, algo tão banal, parece não condizer com a sobriedade da embarcação, sendo assim eles se encontram “como mortos num antigo barco de mortos deslizando na escuridão”. 

A narradora não quer falar com ninguém e nem se envolver nos “tais laços humanos”, mas a jovem mulher com a criança, que revela ser professora, quebra a calmaria da viagem e inicia uma conversa com ela. A jovem desfia sua vida de infortúnios com uma tranquilidade e um otimismo envoltos numa fé incondicional que deixam a narradora desconcertada. 

A viagem está chegando ao fim e a narradora se vê diante de uma revelação que é “terrível demais”. Pelo menos é o que ela imagina. 



– A senhora não acredita em Deus? 
– Acredito – murmurei. 
E ao ouvir o som débil da minha afirmativa, sem saber por quê, perturbei-me. Agora entendia. Aí estava o segredo daquela confiança, daquela calma. Era a tal fé que removia montanhas... 



Esse foi o meu primeiro contato com Lygia. E que conto foi esse, gente? Uma mistura de fantasia com realidade. Mitologia e religião. Mágica. Além de um clima de suspense durante a travessia do rio. É claro que me apaixonei! 

No início do conto não sabemos o gênero de quem narra a história, fato que ficamos sabendo lá pela metade do conto, mas não sei por que eu desde o início achei que fosse uma mulher

Uma viagem na noite de Natal em uma barca de cenário sombrio, cheia de treva, desconfortável, sem artifícios, com luz vacilante, uma grade carcomida e tábuas gastas no chão que em nada reflete a alegria da celebração, mas está totalmente de acordo com o humor da narradora que preferia “não fazer nada, não dizer nada, apenas olhar o sulco negro que a embarcação ia fazendo no rio”. 


Levantei-me. Eu queria ficar só naquela noite, sem lembranças, sem piedade. Mas os laços – os tais laços humanos – já ameaçavam me envolver. 


No momento em que comecei a ler tive a impressão da narradora e os outros passageiros estarem na barca de Caronte, barqueiro da mitologia grega que leva as almas através do rio Estige até o mundo dos mortos. Todos em sua última viagem indo em direção ao outro lado do rio. E logo na noite de Natal! Não podia ser mais sinistro

Mas aí tem a jovem mulher com um manto sobre a cabeça e que aperta nos braços seu filho enrolado em alguns panos. Não lembra alguém? Claro! Nossa Senhora carregando nos braços o Menino Jesus. Confirma minhas suspeitas ou é um alento? E logo na noite de Natal! Não podia ser mais sublime


O longo manto escuro que lhe cobria a cabeça dava-lhe o aspecto de uma figura antiga. 


Uma coisa interessante é o fato de que a jovem mora em Lucena, município de João Pessoa, na Paraíba. Interessante? Sim. Fiz uma pesquisa e descobri que o nome da cidade se originou do nome de um antigo morador cuja ocupação era transportar passageiros entre as duas margens do rio Paraíba. Caronte é você? Vai dizer que não é legal! 


Mãe e Filho na Praia - 1902 - Pablo Picasso



E outra coisa curiosa é o fato de que de noite as águas do rio são geladas, mas de dia o rio é verde e quente. Ora, a cor verde é uma cor fria o que por si só contrasta com a afirmativa anterior, mas como verde é conhecida como a cor da esperança e já que é Natal, e pode ser que eu esteja divagando, diria que representa o mais puro encantamento desta pequena parábola. 

Por ser uma época caracterizada pela alegria, o conto atravessa um pouco o tom e produz algumas notas de tristeza e melancolia. Noite e dia, gelado e quente, escuro e claro, realidade e sonho. Todas são metáforas criadas a partir de antagonismos para o tema principal do conto que é morte x vida

Temos que lembrar que a jovem é professora e talvez seja sua missão ensinar para a narradora e os leitores que, apesar das “nuvens tumultuadas”, há espaço para um pequeno milagre de Natal no final da jornada. Será mesmo o final? 



FICHA TÉCNICA 

Título: Natal Na Barca (conto) 
Título Original: Antes do Baile Verde    
Autor: Lygia Fagundes Telles     
Ano: 2009 
Páginas: 208  
Editora: Companhia das Letras  
Gênero: Contos   
 

AUTOR 



Lygia Fagundes da Silva Telles, nascida Lygia de Azevedo Fagundes, é mais conhecida como Lygia Fagundes Telles, nasceu em 19 de abril de 1923 em São Paulo, onde vive até hoje. 

Considerada pela crítica uma das mais importantes escritoras brasileiras, publicou ainda na adolescência o seu primeiro livro de contos, “Porão e Sobrado” (1938). 

Sua estreia oficial na literatura ocorreu em 1944, com o volume de contos “Praia Viva”. Em 1947, casou-se com um de seus professores, o jurista Goffredo Telles Júnior, com quem teve um filho e de quem adquiriu seu sobrenome. 

Estudou Direito e Educação Física antes de se dedicar exclusivamente à literatura e tornar-se “a dama da literatura brasileira” e “a maior escritora brasileira viva”. 

A escritora recebeu vários prêmios, mas os anos de 1970 foram sua consagração. O livro de contos “Antes do Baile Verde” (1970) recebeu o Prêmio Internacional de Escritoras, na França. “As Meninas” (1973) se tornaria um dos seus mais importantes romances, recebendo o Prêmio Jabuti, em 1974, e adaptado ao cinema em 1975, dirigido por Emiliano Ribeiro. 

O livro “Seminário dos Ratos” (1977) recebeu o Prêmio PEN Clube do Brasil e “A Disciplina do Amor” (1980), o Prêmio Jabuti e o Prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte. 

Lygia é romancista e contista. É a grande representante do movimento pós-modernismo do Brasil. É membro da Academia Paulista de Letras (desde 1982), da Academia Brasileira de Letras (eleita em 1985) e da Academia de Ciências de Lisboa (1987). 

Foi em 2001 que recebeu o Prêmio Camões, o mais importante da literatura de língua portuguesa, mas que só foi entregue em 2005. Em 2016, aos 92 anos de idade, Lygia Fagundes Telles tornou-se a primeira mulher brasileira a ser indicada para receber o Prêmio Nobel de Literatura. 




Até a próxima! 
Beijos mil! :-) 

Criss 



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