Olá, Perdidos! Já imaginou ser observado por um ser invisível dentro de sua própria casa, dentro de seu quarto? Espiando todos os seus gestos e suas ações? Terrível, não é? São essas angústias que o narrador nos confidencia no conto O Horla (segunda versão), de Guy de Maupassant, no livro Contos Fantásticos – Horla & Outras Histórias.
O conto começa de forma muito bucólica, num dia muito agradável, onde o protagonista fala de sua casa branca às margens do rio Sena, na França. A casa em que ele cresceu e que guarda suas raízes e de toda sua família há gerações e onde mora sozinho com alguns criados. E, diante de sua casa, ele observa os barcos passarem, inclusive uma embarcação brasileira “inteiramente branca, limpa e luzidia” e para a qual ele se sente impelido a acenar.
Um verdadeiro conto de fadas. Só que não! Sem motivo aparente, ele começa a se sentir febril e desanimado. E sem ter uma justificativa razoável que explique sua “doença”, ele começa a pensar nas coisas que estão à nossa volta e que não somos capazes de ver, ouvir nem sentir.
Se sentindo cada vez pior, ele percebe que a água e o leite que deixa na mesinha ao lado da cama para saciar sua sede ao despertar à noite desaparecem. Se não foi ele quem poderá ser? A cada noite, o homem faz testes e descobre que somem apenas a água e o leite e que não foi ele, pois ele também se certifica se por acaso sofre de sonambulismo.
Para se recuperar, relaxar e pensar em coisas mais agradáveis ele decide viajar. E vai para o monte Saint- Michel onde conhece um monge que lhe conta várias lendas e que o deixa muito impressionado com uma reflexão sobre o vento o qual podemos sentir, mas não o vemos, apenas vemos sua ação destruidora. Um raciocínio que reafirma seus próprios pensamentos.
Em outra ocasião ele vai a Paris e na casa de sua prima conhece o Dr. Parent, que faz experiências com hipnose. Após uma demonstração, ele conclui que está sendo dominado por um ser Invisível.
E sempre que volta ao seu lar à beira do Sena, aparentemente recuperado de sua moléstia, o mal-estar reaparece. Vários incidentes tornam a acontecer. A influência da criatura se torna cada vez mais presente e acentuada.
Como é profundo o mistério do Invisível! Não podemos sondá-lo com nossos miseráveis sentidos
[...]
Ah! Se tivéssemos outros órgãos que realizassem em nosso favor outros milagres, quantas coisas ainda poderíamos descobrir à nossa volta!
O HORLA. HQ Le Horla de Guillaume Sorel, adaptado da história homônima de Guy de Maupassant e publicado por Rue de Sevres, editora francesa especializada em quadrinhos |
Dica
Este é o primeiro conto de Guy de Maupassant que li. Na verdade, li a primeira versão de O Horla, escrito em 1886 em forma de relato médico, e Carta de Um Louco, de 1885, é um esboço que nos apresenta pela primeira vez ao seu sinistro e famoso personagem Horla.
Uma dica é que você leia a segunda versão e a definitiva do conto O Horla, pois é muito mais interessante, estruturada e há um desenvolvimento melhor da narrativa, tornando a trama mais complexa.
Se quiser, leia depois a primeira versão, que é bem menor, como curiosidade e para fazer comparações.
O pensamento doente devora a carne do corpo mais do que a febre ou a tuberculose.
Um homem com medo daquilo que não consegue ver ou entender. Um homem que se sente preso completamente em sua capacidade de ver, ouvir, sentir e perceber. E ele se perde em questões filosóficas para explicar esse temor do que não pode ser visto nem ouvido.
Por ser um conto em forma de diário nosso envolvimento é muito maior, pois estamos lendo as convicções, dúvidas e temores mais íntimos contados pelo personagem que também é o narrador da história. Testemunhando a decadência de sua saúde semana após semana e, às vezes, até mesmo vivenciando suas experiências alucinadas quanto mais avançamos na trama.
Não tenho mais nenhuma força, nenhuma coragem, nenhum domínio sobre mim, nenhum poder para pôr em movimento a minha vontade. Não consigo mais querer; mas alguém quer por mim; e eu obedeço.
Talvez seja um fantasma. Talvez seja um vampiro. Talvez seja uma criatura invisível de uma outra linha do processo evolutivo. À medida que a história avança, o horror se intensifica e o tão aguardado encontro com o Horla nos leva a um inevitável clímax apavorante.
Não quero falar muito para não estragar, mas a incerteza do que está acontecendo permeia toda a leitura. A dúvida é cruel até chegarmos ao desfecho do conto. Somos levados pelo caminho do fantástico que extrapola os limites do racional e do inexplicável com resultados perturbadores e duvidosos, numa narrativa que provoca uma mistura de curiosidade, irrealidade, terror e surpresa. Cuidado ao apagar as luzes!
FICHA TÉCNICA
Autor: Guy de Maupassant
Ano: 2011
Páginas: 98 (e-book)
Editora: L&PM Pocket
Gênero: Contos Fantásticos
Tradutor: José Thomaz Brum
AUTOR
Henri René Albert Guy de Maupassant, ou simplesmente, Guy de Maupassant, nasceu em 5 de agosto de 1850, em Tourville-sur-Arques, na Normandia, França.
Formou-se advogado em Paris e após a guerra franco-prussiana trabalhou nos ministérios da Marinha e da Instrução Pública.
É considerado um dos maiores escritores franceses de contos todos os tempos.
Ele foi escritor e poeta com propensão a escrever sobre as situações psicológicas, fazendo uma crítica social. Foi amigo do célebre escritor francês Gustave Flaubert, a quem se referia como "mestre".
Entre 1880 e 1890 escreve cerca de 300 contos, seis romances, três livros de viagens e um único volume de poesias, Os Versos. Dentre os romances, se destacam Une Vie (1883) e o aclamado Bel-Ami (1885). Entre os contos, os mais famosos e importantes são Bola de Sebo (incluído na antologia Os Serões de Médan, editada por Émile Zola, em 1880), A Pensão Tellier (seu primeiro livro de contos publicado em 1881) Mademoiselle Fifi (1882), A Herança (1884) e O Horla (1887), considerado sua obra-prima.
Maupassant apreciava o isolamento e em seus últimos anos ele preferiu se recolher, obcecado pelo medo da morte e a paranoia de perseguição que surgiu em decorrência da sífilis que contraiu em 1877, aos 27 anos, e que o atormentou por quase duas décadas. Devido à doença, ele passou a ter problemas de visão e aos quarenta anos as suas faculdades mentais começaram a falhar, levando-o à demência.
Em 2 de janeiro de 1892, Maupassant tentou o suicídio cortando sua garganta e foi internado na célebre clínica do Dr. Esprit Blanche, em Paris, onde morreu em 6 de julho de 1893, dezoito meses após sua internação, os quais passou praticamente inconsciente, e pouco antes de completar 43 anos.
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