“Todo Dia” Um Corpo Diferente

Perdidas e Perdidos, Olá! Já imaginou se pudesse acordar cada dia de um jeito diferente? Legal, né? Mas e se fosse numa casa diferente, com uma família diferente, num bairro diferente e... num corpo diferente? Consegue imaginar isso acontecendo todo dia de sua vida? Pois é exatamente isso que ocorre com o personagem de David Levithan em seu livro Todo Dia.  




A (nome que ele mesmo escolheu) é um adolescente de 16 anos que passa a vida contando os dias e não os anos como todos nós. Não tem mãe, pai, irmãos nem amigos. Quer dizer, tem dias que ele até tem tudo isso ou parte disso, e a cada dia ele tem uma nova família e uma nova identidade. Não! A não está fugindo nem se escondendo da polícia ou de criminosos. Nada disso. Ele apenas é muito diferente de todos nós. 

Sou as pessoas nos outros carros, cada uma com sua história, mas passando depressa demais para serem percebidas ou compreendidas. 

Todo dia A acorda em um corpo diferente e num gênero diferente e essa mudança nunca se repete. Às vezes acorda como homem, outras vezes como mulher e em outras ocasiões como homossexual. Alto ou baixo, magro ou gordo, branco ou negro, bonito ou feio, rico ou pobre, moreno ou ruivo ou loiro ou careca, tanto faz. O que nunca muda é a relação da idade de A com o do seu novo “corpo” que é sempre a mesma. Ou seja, A tem 16 anos e o corpo que ocupará também terá 16 anos. 

Não importa o gênero ou biotipo, A é um “hóspede” que não pede licença e sai invadindo a revelia o corpo de outro adolescente. Por um dia inteirinho, ele sequestra a vida de uma pessoa até meia-noite quando seu ser se transporta inadvertidamente para uma outra pessoa. Essa pessoa nunca se lembra da presença de A e ele não tem ideia de quem será o próximo corpo a ser habitado, pois não tem nenhum tipo de controle na escolha de quem será, assim como não faz a mínima ideia de como a mudança acontece. Apenas acontece. E assim, ele vai levando sua existência sem causar interferências na vida das pessoas, sem apegos e sem amores, pois ao fim de cada dia tudo muda. Sempre. 

Mas quando quem você é muda todos os dias, você fica mais próximo da universalidade. Mesmo dos detalhes mais triviais. Você percebe que as cerejas têm gosto diferente para pessoas diferentes. Que o azul parece diferente. 

Porém, um dia algo inusitado acontece e A quebra sua mais preciosa regra e se apaixona por uma garota chamada Rhiannon. Seu lema de não se envolver vai por água abaixo e seu mundo imperfeito perfeito vira mais ainda de pernas para o ar. Se é que isso é possível. 

A partir daí, A quer fazer com que esse sentimento que aflorou se concretize e tenta de tudo para conseguir encaixar esse amor em seu modo de vida tão peculiar. Será que Rhiannon vai ser capaz de compreender e aceitar algo tão estranho? O Amor será capaz de ultrapassar as barreiras do corpo físico?

Paralelamente ao romance, A é confundido com o Diabo e passa a ser perseguido por um de seus hospedeiros e por um líder religioso implacável. Conseguirão chegar até ele? 

Não sou o diabo, mas poderia ser. [...] Tenho potencial para ser o diabo. Mas então penso: Pare. Penso: Não. [...] todos nós temos potencial para cometer crimes. Escolhemos não cometê-los. Todos os dias, escolhemos não cometê-los. Não sou diferente. Não sou o diabo.  

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Tudo bem. Invasores de corpos alienígenas ou possessões demoníacas a gente vê a pontapé na literatura, mas eu nunca tinha lido ou sequer soube de algo parecido com o que acontece em Todo Dia. Achei superoriginal e criativo

Podemos dizer que as várias mudanças de corpos e de atitudes e de gêneros é uma metáfora para os adolescentes que estão se descobrindo e descobrindo sua sexualidade, juntamente com a paixão, um sentimento que aos 16 anos parece avassalador, único e eterno. Especial, com certeza. Além de toda a questão do desajuste social e familiar pelo qual eles passam e que você, eu e muitos de nós já passaram, não é mesmo?  

A narrativa de Levithan apresenta questões importantes e bastante reflexivas para os adolescentes como identidade de gênero, a causa LGBTQIA+, saúde mental e abuso de drogas e suas consequências. Explorações de um terreno onde tudo é novo e fora do comum para os jovens. Não só através de A, mas junto com A nos aventuramos passo a passo nessas descobertas, e temos a oportunidade de entrar na vida de pessoas com diferentes realidades para, mesmo que seja num único dia, tomarmos consciência de suas batalhas pessoais diárias e todos os problemas que cada um deles suporta e que por um dia são compartilhados com o protagonista. E todas essas experiências afetam e transformam o personagem. 



Se você olhar para o centro do universo, existe frieza lá. Um vazio. No final das contas, o universo não se importa conosco. O tempo não se importa conosco. 

A, o protagonista e narrador da história, simplesmente, é um ser sem corpo. É pura essência. Seria uma alma sem seu receptáculo? Uma consciência perdida? Pulando de corpo em corpo diariamente, sem desejar isso, mas sem poder evitar, A é e existe de acordo com o corpo que habita a cada dia, proporcionando profundas reflexões com os milhares de lições de vida. Sempre separando sua consciência da do hospedeiro. Ele possui essa habilidade totalmente inexplicável e ponto. E, para falar a verdade quando li não pensei muito nisso. Claro que surgiram umas curiosidades: será que ele nasceu ou, simplesmente, apareceu? Terá sido criado? Ele é mortal ou imortal?. Contudo, fiquei mais interessada em como ele teve noção de sua condição singular e as mirabolantes peripécias que ele faz para que sua paixão por Rhiannon dê certo. 

Acredito que o Amor é um sentimento que transcende a forma física e eu acho que é isso que o autor tentou mostrar. O Amor não tem gênero nem idade nem forma; nós amamos e não há maiores justificativas. O envolvimento de A é sincero e intenso e não dá para ficar imune a ele. Apesar do interior de A ser sempre o mesmo, Rhiannon não consegue separar seu sentimento do gênero inconstante de seu amado. A mensagem foi enviada, mas é através dela que percebemos como não estamos preparados para aceitar tal pensamento. Mas, prefiro acreditar no poder transformador do Amor. Piegas, né? 

Na minha experiência, desejo é desejo, amor é amor. Nunca me apaixonei por um gênero. Apaixonei-me por indivíduos. Sei que é difícil as pessoas fazerem isso, mas não entendo por que é tão complicado, quando é tão óbvio. 

É interessante perceber que A teve uma criação tão singular que não se moldou aos padrões da sociedade e para ele nunca fez a menor diferença se uma pessoa é menino ou menina. Isso é apenas um detalhe biológico com fins de reprodução... talvez. O importante é o que somos por dentro, pois é isso que nos caracteriza e nos diferencia. Somos, antes de tudo, indivíduos. Para nós, ainda é uma utopia pensar assim e talvez isso nunca aconteça, pois lá no fundo estamos ligados a conceitos tão enraizados que fica difícil aceitar mudanças. Elas até acontecem, contudo depois de muitas batalhas, muitas lutas. 

Sempre haverá mais perguntas. Toda resposta leva a mais perguntas. O único meio de sobreviver é abrindo mão de algumas. 

Durante nossa aventura com A, ele se instala temporariamente em 41 adolescentes. E uma coisa que eu gostei é que Rhiannon faz ele repensar essa sua diretriz de não interferir na vida de seu hospedeiro. Para ela, A não deve se manter neutro e aparte, muito menos virar as costas para circunstâncias graves que acontecem com algumas das pessoas cujos corpos ele habita por um dia. Às vezes, só é necessário dar o primeiro passo para evitar uma tragédia. O ideal é sempre pedir ajuda e é isso que Rhiannon salienta. Tornar essa sua habilidade em algo que, quando necessário, faça a diferença na vida do hospedeiro e, consequentemente, na do hóspede. Fazer com que a sua natureza de mudar de corpo tenha um propósito maior do que apenas encarar cada dia de uma vez. 

David Levithan escreveu uma história muito interessante e com uma linguagem leve, onde cada capítulo, que representa cada dia da vida do protagonista, se transformou numa espécie de diário. Era difícil parar e ficar sem saber o que iria acontecer aos personagens ou que fim o autor arranjaria para eles e a existência tão singular do protagonista. Só posso dizer que, com suas reflexões, seus pensamentos e suas teorias, A é um ser intenso e que possui uma personalidade extremamente cativante. Sem dúvida uma leitura incomum e sensível que merece quatro robozinhos pela originalidade. 

Ao longo dos anos, fui a muitas cerimônias religiosas. Cada uma que frequento apenas fortalece minha impressão geral de que as religiões têm muito, muito mais em comum do que gostariam de admitir. As crenças são sempre praticamente as mesmas; apenas as histórias diferem. Todas as pessoas querem acreditar num poder superior. Todas querem pertencer a algo maior que elas mesmas, e todas querem companhia ao fazer isso. 


FICHA TÉCNICA 

Título: Todo Dia   
Título Original: Every Day   
Autor: David Levithan   
Ano: 2013 
Páginas: 280  
Editora: Galera Record 
Gênero: Romance - Ficção 
Tradutor: Ana Resende   

AUTOR  

David Levithan nasceu em 7 de setembro de 1972, em New Jersey, Estados Unidos. Formado pela Brown University em 1994, ele é um dos co-fundadores da editora PUSH, empenhada em encontrar novos autores de literatura Jovem Adulto

Levithan é um autor e editor de YA (Jovem Adulto) bastante conhecido por escrever sobre um tema que ainda é considerado polêmico: o universo LGBTQIA+. Ele é um dos autores contemporâneos que trata do assunto com mais leveza e muita naturalidade. Seu primeiro livro foi Garoto Encontra Garoto, de 2003. 

Em 2016 recebeu o prêmio Margareth A. Edwards, prêmio que reconhece anualmente um autor e sua obra por sua contribuição relevante à literatura Jovem Adulto. Seus trabalhos vencedores foram Garoto Encontra Garoto, O Reino Da Possibilidade, Wide Awake, Nick E Norah: Uma Noite De Amor E Música, Como Eles Se Conheceram E Outras Histórias e Amor É A Lei Superior

Três de seus romances já foram adaptados para o cinema: Nick E Norah: Uma Noite De Amor E Música, em 2008; Naomi E Ely E A Lista Do Não Beijo, em 2015; e um de seus principais livros, Todo Dia, em 2018. 

Levithan escreveu Will & Will: Um Nome, Um Destino em parceria com John Green e foi o primeiro livro Jovem Adulto com protagonistas gays a entrar na lista dos mais vendidos do New York Times. 

Seus livros retratam a adolescência e os adolescentes de uma forma especial e bastante realista. Vários de seus livros já foram publicados no Brasil.  

  • Todo Dia já virou filme pelas mãos do diretor Michael Sucsy, confira o trailer abaixo: 


Até a próxima! 

Beijos mil! :-) 

Criss 


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