Perdidas e Perdidos. Vou aproveitar e colocar em dia o Desafio de Leitura de 2018, item número 1 – Um livro que tenha virado filme. Escolhi Solaris, obra de Stanislaw Lem, de 1961, mesmo ano em que o cosmonauta Yuri Gagarin se tornou o primeiro ser humano a ser lançado ao espaço e declarou que “A Terra é azul”. Solaris é um dos clássicos da literatura de ficção científica, um livro que possui um alienígena para lá de incomum, completamente diferente de tudo o que já vi em outros livros, filmes ou séries de TV. E esta edição está lindíssima e sua tradução foi feita diretamente do original em polonês.
A primeira adaptação cinematográfica de Solaris ocorreu em 1968, com direção dos soviéticos Boris Niremburg e Lidiya Ishimbayeva. Alguns anos depois, em 1972, foi a vez do cineasta russo Andrei Tarkovsky levar aos cinemas a sua interpretação da obra que ficou conhecida como “2001 do marxismo” – uma referência direta ao filme de 1968, “2001 – Uma Odisseia No Espaço”, de Stanley Kubrick. Depois viria o lançamento hollywoodiano do diretor Steven Soderbergh, com George Clooney encabeçando o elenco, em 2002.
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A história é narrada por Kris Kelvin, psicólogo, que acaba de chegar a Solaris. Solaris é um planeta peculiar com dois sóis, um azul e outro vermelho, que foi descoberto há 100 anos. No entanto sua maior particularidade é seu Oceano, um misterioso e gigantesco ser vivo que ocupa todo o planeta e que provavelmente possui inteligência. Provavelmente porque tal fato ainda não foi comprovado cientificamente.
A história é narrada por Kris Kelvin, psicólogo, que acaba de chegar a Solaris. Solaris é um planeta peculiar com dois sóis, um azul e outro vermelho, que foi descoberto há 100 anos. No entanto sua maior particularidade é seu Oceano, um misterioso e gigantesco ser vivo que ocupa todo o planeta e que provavelmente possui inteligência. Provavelmente porque tal fato ainda não foi comprovado cientificamente.
Na realidade, nem todos concordavam de que se tratava de um “ser vivo”, e ainda menos se era possível chamá-lo de racional.
Uma Estação flutuante foi criada especialmente para estudar o planeta e o Oceano, que é capaz de influenciar sua própria órbita planetária. Não só uma estação foi criada, mas toda uma Ciência, conhecida como Solarística, foi elaborada na Terra para desvendar os segredos do planeta e seu único ser vivo, o Oceano. E Kris desembarca em Solaris para integrar a equipe de pesquisadores e cientistas. Mas, quando chega a Estação encontra pessoas paranoicas e amedrontadas. Dos três cientistas que residiam no local, um cometeu suicídio, seu amigo e mentor, Gibarian, e os outros dois estão à beira da loucura. O que estaria acontecendo ali?
Kris procura por respostas, uma vez que ele mesmo começa a ter alucinações e percebe que as pessoas na Estação estão sendo atormentadas por “hóspedes”, como eles chamam essas manifestações. Ele descobre que esses “hóspedes” na verdade são uma espécie de réplicas materializadas a partir das lembranças daqueles que vivem no local. E que essas réplicas, ao que tudo indica, foram enviadas pelo Oceano! Perguntas começam a despontar. Como assim? Qual seria o objetivo? O que pode haver nessas lembranças que fizeram o Oceano ter essa reação? E o mistério só aumenta. Para Kris e para mim.
As réplicas sentem uma necessidade avassaladora de estar perto de quem estão ligadas, talvez por fazerem ou terem feito parte de suas vidas, de alguma forma, em determinado momento. Elas são praticamente indestrutíveis e quando uma morre, outra surge. E, assim como todos naquele lugar, Kris não consegue evitar de lembrar de uma pessoa, uma mulher que fez parte de seu passado, Harey. Logo, uma réplica perfeita dela aparece.
...ele invadiu através da dupla blindagem hermética, através da pesada carcaça da Estação, procurou em seu interior o meu corpo e partiu com o saque...
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A história do livro é contada em primeira pessoa, através do olhar de Kris Kelvin sobre as pesquisas realizadas em Solaris e sobre os personagens que dividem claustrofobicamente com ele a Estação, assim como todos os acontecimentos misteriosos que ocorrem lá. Um enredo cheio de emoções e assustador.
Tenho que confessar que Solaris não foi uma leitura fácil. A história não possui muita ação e as teorias Solarísticas descritas em estudos que o protagonista e narrador nos informam não tornam a leitura das mais emocionantes. Sei que essas teorias Solarísticas são necessárias para entendermos o processo dos estudos sobre como o Oceano se comporta, assim como as pessoas que se dedicaram a estudá-lo e até para dar um ar de maior autenticidade à obra de ficção científica.
Apesar de retratar de forma riquíssima toda a pesquisa científica, o terror do incompreensível e o psicológico dos personagens, nada disso impede que o livro seja um pouco cansativo, tampouco que as questões levantadas durante a leitura sejam extraordinárias.
Apesar de retratar de forma riquíssima toda a pesquisa científica, o terror do incompreensível e o psicológico dos personagens, nada disso impede que o livro seja um pouco cansativo, tampouco que as questões levantadas durante a leitura sejam extraordinárias.
− Tudo está dentro dos padrões, mas trata-se de uma camuflagem. Uma máscara. É, num certo sentido, uma supercópia: uma reprodução mais perfeita do que o original. Quero dizer que lá, onde no ser humano encontramos o limite das partículas, o limite da divisão estrutural, aqui se segue por um caminho que vai mais longe, graças à utilização de um componente estrutural subatômico!
Não posso deixar de destacar o quão impressionante é o alienígena criado por Lem que ultrapassa a capacidade imaginativa. É incrível. Quando uma pessoa pensa em fazer contato com seres de outros planetas, acredito que jamais passe pela sua cabeça que o alienígena possa ter a forma e a aparência de um Oceano. Um ser único dominando por completo seu planeta. E Lem nos mostra como não estamos preparados para entender uma existência tão diferente da nossa, o que pode tornar o contato uma impossibilidade real. Afinal, não conseguimos entender por completo a Terra e nós mesmos, os seus habitantes, imagina contatar seres de outros planetas e ainda por cima absurdamente diferentes. É muito atrevimento.
E lá se vão cem anos de estudos inconclusivos, onde o ser humano ainda não conseguiu entender e classificar o Oceano. Para ter uma ideia, os cientistas da Estação sequer compartilham seus pensamentos íntimos uns com os outros, quem dirá conseguirem o entendimento entre os humanos e o alienígena. Sem sucesso em se comunicar com este surpreendente ser vivo, os pesquisadores tentam estudá-lo através de suas criações ininteligíveis, suas misteriosas formas e imensas ondas que ele cria e depois destrói. Talvez essas criações sejam uma tentativa de comunicação por parte do Oceano, contudo, o mistério continua, pois ninguém conseguiu decifrar sua mensagem, se é que ela realmente existe. O fato é que o Oceano revela um pouco do que é capaz de realizar somente quando ele quer fazer isso.
Em certo momento no livro nos perguntamos se o ser humano está estudando o Oceano ou se está sendo estudado por ele, o que é mais provável, pois ele parece testar as mentes dos cientistas.
Em certo momento no livro nos perguntamos se o ser humano está estudando o Oceano ou se está sendo estudado por ele, o que é mais provável, pois ele parece testar as mentes dos cientistas.
Mas é porque dentro de mim talvez existam pensamentos, intenções, esperanças, que possam ser cruéis, maravilhosos, assassinos, e eu não sei nada sobre eles. O homem saiu para encontrar outros mundos, outras civilizações, sem saber nada sobre seus próprios recessos, ruas sem saída, poços e portas bloqueadas e escuras.
Como eu disse antes, é difícil para o ser humano deixar suas pré-concebidas definições de lado e analisar a possibilidade de Vida lá fora que pode ser muito diferente da que existe aqui dentro na Terra. Ao ponto de ser incompreensível para nossas mentes. É claro que queremos sempre achar algum tipo de humanoide para encontrarmos afinidades, semelhanças para nos vermos refletidos. Mas, eu particularmente, acredito que haja diversos tipos de Vida espalhadas pelo imenso Universo. Não necessariamente vindas da água e sequer humanoides.
[...] Grattenstrom chegou à conclusão final de que não é e nunca será possível qualquer “contato” do homem com uma civilização que não seja antropoide ou humanoide.
Uma Divindade?
Deus no mundo de Solaris é apenas um conceito ultrapassado há tempos. Contudo a Ciência, cujas teorias costumam ser legitimadas, não consegue chegar a nenhuma conclusão plausível com os estudos solarísticos. Ela é falha e incompleta. Ela é limitada.
Uma deidade. Acredito que o Oceano seja uma divindade e, com certeza, é um Deus em seu planeta. Único. Senhor de si e que procura controlar tudo à sua volta. Criando e recriando formas, todavia incompletas. Sem objetivo e sem conteúdo. Nem tão onisciente como deveria. Talvez quando dá vida às memórias mais doídas dos cientistas, não tenha a menor ideia do que significam, apenas faz.
Quem sabe Lem tenha planejado um reencontro com Deus. Um Deus tão imperfeito quanto nós, tão impossibilitado quanto nós. Um Deus que, assim como nós, está em desenvolvimento. Ou, como ele mesmo sugere, um Deus defectivo, “um Deus limitado em sua onisciência e onipotência, falível na previsão do futuro de suas obras e que poderia se sentir terrificado pelo curso dos acontecimentos moldados por ele”.
Muitas das questões levantadas em Solaris são psicológicas e, talvez por isso, o protagonista seja um psicólogo. O Oceano pega as memórias mais íntimas e intensas e, também, as mais sombrias dos cientistas e lhes oferece (provavelmente sem ter consciência) uma oportunidade de enfrentar seus medos. Mas, a resposta de cada um desses cientistas é pânico, desvario e fuga.
Uma deidade. Acredito que o Oceano seja uma divindade e, com certeza, é um Deus em seu planeta. Único. Senhor de si e que procura controlar tudo à sua volta. Criando e recriando formas, todavia incompletas. Sem objetivo e sem conteúdo. Nem tão onisciente como deveria. Talvez quando dá vida às memórias mais doídas dos cientistas, não tenha a menor ideia do que significam, apenas faz.
Quem sabe Lem tenha planejado um reencontro com Deus. Um Deus tão imperfeito quanto nós, tão impossibilitado quanto nós. Um Deus que, assim como nós, está em desenvolvimento. Ou, como ele mesmo sugere, um Deus defectivo, “um Deus limitado em sua onisciência e onipotência, falível na previsão do futuro de suas obras e que poderia se sentir terrificado pelo curso dos acontecimentos moldados por ele”.
Muitas das questões levantadas em Solaris são psicológicas e, talvez por isso, o protagonista seja um psicólogo. O Oceano pega as memórias mais íntimas e intensas e, também, as mais sombrias dos cientistas e lhes oferece (provavelmente sem ter consciência) uma oportunidade de enfrentar seus medos. Mas, a resposta de cada um desses cientistas é pânico, desvario e fuga.
Todas as máscaras – isso eu podia dizer – caíram, e através da máscara do rosto da Harey começou a se tornar visível um outro rosto, o verdadeiro, diante do qual a alternativa da loucura realmente se tornava uma libertação.
Acredito que o maior objetivo de Lem foi fazer o leitor criar suas teorias, pensar e refletir. Fazer uma reflexão sobre si e o mundo a sua volta. A história tem muito mais a ver com descobertas sobre o próprio ser humano do que com a descoberta de vida alienígena.
Antes de qualquer coisa, era preciso conduzir em mim mesmo algum experimento concebido logicamente – experimentum crucis –, provando se na verdade eu tinha enlouquecido, estava sendo vítima de alucinações de minha própria imaginação, ou se, apesar de suas características absurdas e improváveis, minhas vivências eram reais.
Em Solaris, Lem analisa a exploração espacial, a tentativa de contato com uma civilização alienígena, a fragilidade da comunicação e todos os problemas que ocorrem ao encararmos o desconhecido e abusa da criatividade ao dar vida a um ser insólito com habilidades inimagináveis.
É um livro para ser lido e relido. Apesar de ser uma narrativa com algumas partes que incomodam, acredito que é um excelente exercício para aplicar novos olhares e realizar novas teorias. Trata-se de uma fonte intensa de questionamentos sobre a humanidade e o Universo.
FICHA TÉCNICA
Título: Solaris
Título Original: Solaris
Autor: Stanislaw Lem
Ano: 2017
Páginas: 320
Editora: Aleph
Gênero: Ficção Científica
Tradutor: Eneida Favre
AUTOR
Stanislaw Lem nasceu no dia 12 de setembro de 1921, em Lviv, antiga República Polonesa (Polônia) e que hoje, por sua proximidade com a fronteira, pertence a Ucrânia.
Apesar de ter estudado medicina, Lem nunca chegou a exercer a profissão e tornou-se escritor em tempo integral de romances, contos, poemas e ensaios. Tornou-se um proeminente escritor de seu país ao explorar temas de ficção científica. Suas obras foram traduzidas para mais de 57 idiomas.
Ele é mais conhecido como o autor de Solaris, obra traduzida em mais de 40 línguas, tornando-se um dos livros poloneses mais lidos no mundo. Claro que foi parar nos cinemas em três ocasiões.
Seu debut literário ocorreu em 1946 como poeta, mas foi a partir de 1956 que ele realmente se tornou produtivo, pois a Polônia viu crescer a liberdade de expressão quando a União Soviética “relaxou” e criou a política de desestalinização (de 1956 até 1964).
Em 1979, o escritor foi homenageado tendo seu nome associado a um asteroide, o 3836 Lem, descoberto pelo astrônomo russo Nikolai Chernykh.
Ganhador de vários prêmios, membro da Academia Polonesa de Aprendizado e membro honorário da Associação de Escritores de Ficção Científica dos Estados Unidos (Science Fiction Writers of America), Stanislaw Lem lutou contra problemas cardíacos, mas, aos 84 anos, no dia 27 de março de 2006, em Cracóvia, Polônia, perdeu a batalha.
Título: Solaris
Título Original: Solaris
Autor: Stanislaw Lem
Ano: 2017
Páginas: 320
Editora: Aleph
Gênero: Ficção Científica
Tradutor: Eneida Favre
AUTOR
Stanislaw Lem nasceu no dia 12 de setembro de 1921, em Lviv, antiga República Polonesa (Polônia) e que hoje, por sua proximidade com a fronteira, pertence a Ucrânia.
Apesar de ter estudado medicina, Lem nunca chegou a exercer a profissão e tornou-se escritor em tempo integral de romances, contos, poemas e ensaios. Tornou-se um proeminente escritor de seu país ao explorar temas de ficção científica. Suas obras foram traduzidas para mais de 57 idiomas.
Ele é mais conhecido como o autor de Solaris, obra traduzida em mais de 40 línguas, tornando-se um dos livros poloneses mais lidos no mundo. Claro que foi parar nos cinemas em três ocasiões.
Seu debut literário ocorreu em 1946 como poeta, mas foi a partir de 1956 que ele realmente se tornou produtivo, pois a Polônia viu crescer a liberdade de expressão quando a União Soviética “relaxou” e criou a política de desestalinização (de 1956 até 1964).
Em 1979, o escritor foi homenageado tendo seu nome associado a um asteroide, o 3836 Lem, descoberto pelo astrônomo russo Nikolai Chernykh.
Ganhador de vários prêmios, membro da Academia Polonesa de Aprendizado e membro honorário da Associação de Escritores de Ficção Científica dos Estados Unidos (Science Fiction Writers of America), Stanislaw Lem lutou contra problemas cardíacos, mas, aos 84 anos, no dia 27 de março de 2006, em Cracóvia, Polônia, perdeu a batalha.
- Assista ao trailer do filme Solaris, de 2002, com George Clooney.
Até a próxima!
Beijos mil! :-)
Criss
Criss
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