[ESTANTE DO NOEL] [Conto Machado de Assis] Missa do Galo



Olá, Perdidos! Machado de Assis sempre surpreende, não é mesmo? Missa do Galo é um dos contos mais famosos do Bruxo do Cosme Velho. O conto foi publicado pela primeira vez em 1893 e incluído na primeira edição de Páginas Recolhidas, sua penúltima coletânea de contos, de 1899. 




 

O conto começa com Nogueira relembrando a ocasião em que aos 17 anos saiu de Mangaratiba para o Rio de Janeiro a fim de concluir seus estudos preparatórios e ficou, durante alguns meses, hospedado na casa do escrivão Meneses, que foi casado com sua prima. 

Ao entrar de férias escolares, ele decidiu permanecer no Rio de Janeiro durante o Natal para assistir à luxuosa Missa do Galo na Corte. 

Meneses, agora casado com Conceição, tinha o hábito de ir ao “teatro” toda semana, mas na verdade ele ia ao encontro de sua amante. As duas escravas, sua sogra, até mesmo sua esposa sabiam do adultério. O caso não era novidade na casa, mas todos agiam como se nada estivesse acontecendo para não provocar um escândalo. Inclusive Nogueira ficou sabendo. 

Nogueira havia combinado com um vizinho para irem juntos à Missa do Galo e para fazer a hora passar “trepei ainda uma vez ao cavalo magro de D’Artagnan e fui-me às aventuras” lendo Os Três Mosqueteiros na sala. 

Na véspera de Natal, o escrivão foi mais uma vez ao “teatro” admirar a performance de sua atriz predileta, é claro. Sem conseguir dormir, Conceição, vestida com um roupão, apareceu na sala onde Nogueira lia e começou a conversar com ele sobre os assuntos mais variados, fazendo seu jovem hóspede perder a noção do tempo, pois “a presença de Conceição espertara-me ainda mais que o livro”. 


Aparências escoram vidas, vidas que se desgastam para sustentar essas mentiras. E, assim acontece na família do primo Meneses que apresenta uma moral conservadora e tradicional, mas o casamento, nada mais do que um rito social, é mantido apenas por fachada. A traição do marido é notória por todos os membros da casa e sem consequências para si. E os desejos de Conceição? E seus sonhos? Ignorados pela pressão de uma sociedade machista e sexista de meados do século XIX e enterrados num casamento infeliz. 


A ideia do oratório trouxe-me a da missa, lembrou-me que podia ser tarde e quis dizê-lo. Penso que cheguei a abrir a boca, mas logo a fechei para ouvir o que ela contava, com doçura, com graça, com tal moleza que trazia preguiça à minha alma e fazia esquecer a missa e a igreja. 


Mas enquanto todos dormem, Conceição aparece na sala em que Nogueira está distraído com a leitura de seu romance. A outrora mulher chamada de “a santa” e totalmente passiva surge com ares de mistério e encantadoramente sensual “arrastando as chinelinhas da alcova”. 

Com o decorrer do diálogo entre os dois, nota-se que Nogueira está cada vez mais impressionado com ela, e eu fiquei pensando... será que ela quer dar o troco no Chiquinho, o marido traidor, ou quer dar um basta e se envolver com outro homem ou quer apenas saber se ainda é capaz de encantar e atrair as atenções de um rapaz mais jovem que ela ou, simplesmente, revelar sua presença oprimida há tantos anos? 


Missa do Galo, de Machado de Assis - ilustração de Renato Alarcão



A tensão sexual, o desejo e tudo que poderia ser ou não permeiam a conversa entre os dois. Uma conversa que mesmo após alguns anos ainda ocupa a memória do jovem, o narrador da história. Contada em retrospectiva, a história destaca a reflexão do narrador com a incerteza do que aconteceu e de, até mesmo, quando ocorreu: “Era pelos anos de 1861 ou 1862”. 


Há impressões dessa noite, que me aparecem truncadas ou confusas. Contradigo-me, atrapalho-me. Uma das que ainda tenho frescas é que, em certa ocasião, ela, que era apenas simpática, ficou linda, ficou lindíssima. 


Machado de Assis confronta o sagrado com o profano, o desejo sexual com a moral, desenrolando sua narrativa cheia de simbolismos no pequeno espaço de tempo em que duas pessoas conversam à espera da Missa do Galo.  

Achei incrível como em pouquíssimas páginas se desenvolveu uma história tão complexa sobre o ser humano e com tantas possibilidades de interpretação. Não é sensacional? 


Tudo nela era atenuado e passivo. O próprio rosto era mediano, nem bonito nem feio. Era o que chamamos uma pessoa simpática. Não dizia mal de ninguém, perdoava tudo. Não sabia odiar; pode ser até que não soubesse amar. 


Eu adorei esse conto conciso, rápido e sutil que mostra o despertar de um adolescente para o amor e as relações conjugais insatisfatórias. Um flagrante fugaz de um momento do cotidiano que diz tanto nas entrelinhas sem dizer absolutamente nada diretamente. 

A intenção da proposta, consciente ou inconsciente, sendo revelada através de um olhar, do balanço no andar, da língua umedecendo os lábios, dos braços brancos, do bico das chinelas (sei... das chinelas)... O conto seduz e cativa e, assim como Nogueira, não conseguimos esquecer. 



FICHA TÉCNICA 

Título: Missa do Galo (conto) 
Título Original: Box – Todos Os Contos de Machado de Assis    
Autor: Machado de Assis    
Ano: 2019 
Páginas: 1792  
Editora: Nova Fronteira  
Gênero: Antologia de Contos   
 

AUTOR 



Joaquim Maria Machado de Assis ou como é mais conhecido Machado de Assis nasceu em 21 de junho de 1839, no Morro do Livramento na capital do Rio de Janeiro, na época capital do Império do Brasil. 

Negro de origem humilde frequentou apenas a escola primária e foi obrigado a trabalhar desde a infância, obteve a consideração social numa época em que o Brasil era ainda uma monarquia escravocrata. 

Autodidata, formou-se na biblioteca do Gabinete Português de Leitura, foi aprendiz de tipógrafo e, depois, revisor. Precoce — a sua primeira poesia data dos 16 anos —, triunfou cedo, e viu-se consagrado como poeta aos 25 anos com o livro "Crisálidas". 

Mas foram seus textos em prosa que o tornaram o maior escritor brasileiro de todos os tempos, o mais extraordinário contista do idioma e um dos raros romancistas de interesse universal, como o atestam as traduções das suas obras mais representativas para diversos idiomas, sem que haja influído nessa preferência a atualidade dos seus livros, mas, sim, a perenidade da sua quase ferina análise da alma humana. 

Sua obra é extensa e escreveu em praticamente todos os gêneros literários: poesia, romance, crônica, dramaturgia, conto, folhetim, jornalismo, crítica literária. 

O Bruxo do Cosme Velho, apelido que recebeu quando foi morar no bairro, é autor de Memórias Póstumas de Brás Cubas, Dom Casmurro, A Cartomante, Missa do Galo, O Alienista, Helena e tantas outras obras que o transformaram num dos maiores nomes da literatura do Brasil. 

O Prêmio Machado de Assis é o principal prêmio literário brasileiro que desde 1941 é oferecido pela Academia Brasileira de Letras (ABL) a escritores brasileiros pelo conjunto de sua obra. 

Em 29 de setembro de 1908, Machado de Assis morreu em sua casa no Cosme Velho, no Rio de Janeiro, aos 69 anos. 




Até a próxima! 
Beijos mil! :-) 

Criss 



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