Passeando Pelas Charnecas De “O Morro Dos Ventos Uivantes”

Olá, Perdidos! Se você está acostumado com romances que arrancam suspiros, provocam sonhos líricos e provam que o amor é o sentimento mais maravilhoso do mundo, vai perceber que em O Morro Dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë, as coisas são um pouquinho diferentes. Aqui temos os sentimentos se desenvolvendo de forma intensa rumo à completa destruição. 

Qualquer que seja a substância das almas, a minha e a dele são feitas da mesma coisa. 



A história começa quando o Sr. Lockwood, aluga uma propriedade no campo, conhecida como Thrushcross Grange, e faz uma visita ao seu vizinho e senhorio, Heathcliff, em sua casa, Wuthering Heights (O Morro dos Ventos Uivantes). 

A personalidade marcante e assustadora de Heathcliff e o ódio latente que paira no ar e nos rostos dos demais habitantes do local chamam sua atenção. Devido a uma forte chuva, Lockwood tem que passar a noite na casa e acaba tendo sonhos assustadores com fantasmas. Ao retornar para Thrushcross Grange, ele cai de cama com uma forte gripe e fica confinado em seu quarto, tendo como únicas companhias a governanta Ellen “Nelly” Dean e suas histórias sobre os habitantes e descendentes de Wuthering Heights, que ela conhece desde pequena. 

O patriarca da família Earnshaw faz uma viagem e ao retornar traz consigo uma criança órfã que perambulava pelas ruas de Liverpool. Por causa de sua pele morena foi considerado um “cigano”, embora sua procedência seja um mistério. Heathcliff é o nome que dão à criança que passa a receber toda a afeição do pai adotivo, o que desagrada sua esposa e provoca ciúmes em Hindley, seu filho legítimo. E, apesar de um início conturbado, Catherine, irmã de Hindley, se afeiçoa ao garoto, tornam-se melhores amigos e ele se encanta com a menina, passando a ter uma incrível adoração por ela. 

Após a morte de seus pais, Hindley passa a humilhar e maltratar Heathcliff o quanto pode, tornando-o um criado e transformando-o em um jovem embrutecido, triste e cheio de ira que apenas Catherine era capaz de controlar. 

Apesar de nutrirem um amor muito forte um pelo outro, Catherine decide se casar com Edgar Linton, um homem com condições de sustentar seus caprichos e que também a venera. Com essa decisão, Heathcliff parte de Wuthering Heights. Ao voltar, já é um homem feito e rico, o que provoca ciúmes em Edgar e desperta o interesse de Catherine. 

Seu plano de vingança só aumenta quando Catherine morre ao dar à luz uma menina, Cathy. Todos vão parar na mira de Heathcliff e até mesmo a nova geração sente o poder de seu ódio. 

Será que Heathcliff vai conseguir completar sua vingança e destruir por completo os últimos descendentes das casas de Thrushcross Grange e Wuthering Heights


Ele ama e odeia em silêncio, e julga uma espécie de impertinência ser amado ou odiado. 




Acho que nunca li nada tão intenso quanto O Morro dos Ventos Uivantes! Emily Brontë estava inspirada quando escreveu esse enredo focado em um triângulo amoroso, com seu olhar sensível e cruel. Uma obra-prima gótica, sombria e assustadoramente perturbadora. Mas demorou para todos perceberem que o livro é espetacular, justamente porque mostra a degradação do nosso caráter em consequência dos rigores da vida. 

Cada sopro que vinha das colinas era tão cheio de vida que parecia que quem respirasse aquele ar, mesmo estando moribundo, poderia reviver. 

Vingança e amor eternos. Humilhação e inveja. Rejeição e ressentimento. Ciúme e morte. Uma história sobre a transformação do caráter humano. Seu conceito moral, sua índole e seu temperamento sendo moldados para o que pode haver de pior em uma pessoa. São sentimentos expostos ao sofrimento de tal forma que seu único fim possível é a ruína

Local que inspirou Emily Brontë, autora de “O Morro dos Ventos Uivantes”, sofre com ataques de vandalismo


O romance é narrado pelo Sr. Lockwood, homem rico e estudado que relata os fatos atuais, e pela governanta Nelly Dean, que cresceu na região e conviveu com os integrantes de Wuthering Heights desde pequena e descreve os acontecimentos passados. A narrativa, também não é linear: começa em1801 (o presente da trama) e volta para 1771 e depois avança até chegar ao presente e em seguida avança mais um pouco até o ano 1802. Um tipo de narrativa que não era comum na era vitoriana, quando a obra foi publicada. 

Ainda que o livro conte uma triste história de amor que é mais forte que a própria vida e não vê fronteiras na morte, O Morro dos Ventos Uivantes é, basicamente, uma obra sobre obsessão, ódio e  vingança e sua exigência de retaliação. Apesar de para muitos a vingança ser “um prato que se come frio”, aqui é que realmente percebemos o que Seu Madruga, aquele do Chaves, quis dizer com “a vingança nunca é plena, mata a alma e a envenena”, pois Heathcliff é o exemplo maior disso. 

– Estou tentando imaginar como me vingar de Hindley. Não me importo quanto tempo tenha de esperar, desde que no fim consiga o que quero. Espero que ele não morra antes disso! 

Não deduza de imediato que nesta leitura tudo é fácil de ser identificado. Quem é bom é bom. Quem é mau é mau. O porquê disso ou daquilo. Nada disso. A obra é complexa e nos faz refletir sobre a essência humana

Uma coisa que fico pensando é se Heathcliff é fundamentalmente mau ou foi transformado pelos acontecimentos. Heathcliff nasceu ou foi criado? É impossível em determinado momento da história não sentir empatia e comiseração por Heathcliff que sofreu anos de humilhações e rejeições por parte de seu irmão adotivo Hindley Earnshaw que o detesta e, apaixonado por Catherine, ouvir de seus lábios que concretizar seu amor por ele seria sua decadência social e financeira, decidindo casar-se com um homem de posses, Edgar Linton, vizinho e dono de Thrushcross Grange



Claro que ele poderia ter tomado outro rumo na vida, ao invés de retornar a Wuthering Heights como um rico e rancoroso cavalheiro para promover sua vingança contra todos que, de um modo ou de outro, impediram sua felicidade. Mas, fala a verdade... sem hipocrisia... se fosse com você, não iria querer um ajuste de contas? É mesquinho, eu sei, mas todos nós temos desejos obscuros que podem sumir em um segundo, que podem se desenvolver em nossa imaginação ou que podem ser elaborados e colocados em prática, como Heathcliff fez. 

Mas o sr. Heathcliff contrasta de modo singular com sua morada e o estilo de vida. Na aparência, é um cigano de pele escura; nos trajes e nas maneiras, um cavalheiro – isto é, tão cavalheiro quanto o são muitos fidalgos do interior. 

Sem falar que ficamos com raiva de Catherine por sua decisão. Eu fiquei! Mas, ao escolher Edgar, ela foi insensível e desdenhou de seu amor ou foi meramente realista em perceber que uma vida com Heathcliff era um cenário impraticável? Lembremos que o ano é 1783 e casamentos eram realizados como um acordo por ambas as famílias e não por causa dos sentimentos dos envolvidos, sem falar que ele era “cigano”. 

E quanto aos outros personagens, como a jovem Cathy, filha de Catherine? Ela foi má quando riu e humilhou o também jovem Hareton Earnshaw por sua ignorância e aspereza ou apenas estava sendo uma garotinha mimada e imatura que não tinha tido contato com nenhum outro jovem? E Linton Heathcliff, de saúde precária, tinha um caráter duvidoso ou estava psicologicamente afetado pelos rompantes de seu pai? E Edgar Linton e sua irmã Isabella eram esnobes ou foi a criação aristocrática recebida de seus pais que os tornaram patéticos? 

– Ele, abandonado! Nós dois, separados! – exclamou ela, num tom de indignação. – Quem vai nos separar, diga-me? Terão o destino de Milton! Ninguém vai ousar fazer isso enquanto eu viver, Ellen. Todos os Linton do mundo podem desaparecer no nada antes que eu consinta em esquecer Heathcliff. Não, não é isso que pretendo... não é o que quero dizer! Não me tornaria a sra. Linton se o preço a pagar fosse tão alto! Ele vai ser para mim tudo o que sempre foi, a vida toda. 

E aí? Você consegue responder à pergunta? Difícil, né? Não podemos apontar vilões nem heróis nesta obra magnífica sobre o lado obscuro dos sentimentos. Simplesmente porque não há. São apenas pessoas e suas reações são meras respostas aos acontecimentos. Umas reagem mais, outras menos. E algumas nunca esquecem e contra-atacam. 

E foi justamente a mesquinhez da alma humana descrita de forma tão explicita e sem véus que chocou os leitores da época. E ainda choca e muito! Eles não estavam preparados para Heathcliff e Catherine em meados do século XIX, recebendo fortes críticas negativas. E foi justamente por causa da mesquinhez da alma humana que, anos mais tarde, o livro se tornou um clássico inesquecível e maravilhoso




Nem mesmo o amor que Heathcliff sente por Catherine abranda a obra, pelo contrário. Pois foi sua paixão avassaladoramente obsessiva e inatingível que realmente nos levou a conhecer seu abismo escuro e sem fundo de ódio e amargura. Uma paixão que destrói não só a si mesmo como também a todos que o rodeiam. 

Acredito... sei que fantasmas perambulando pela terra. Fique comigo sempre, assuma a forma que quiser, faça-me enlouquecer! Só não me deixe neste abismo onde não posso encontrá-la! Ah, meu Deus! É indizível! Não posso viver sem a minha vida! Não posso viver sem a minha alma! 

Para mim, Heathcliff, cujo nome significa “penhasco da charneca”, é uma força da natureza, totalmente brutal, incontrolável e intenso. Seu próprio nome, que também é seu sobrenome, mostra sua essência feroz e perene. Ele é misterioso, irônico, sedutor e passional. Eu o amo. Não há meio termo, é amor ou ódio. E com uma riqueza de detalhes somos transportados para as charnecas onde vivem os personagens que nos deixam agoniados nessa história que consegue nos prender do início ao fim. 

Foi como ver o fantasma do meu amor imortal, de minhas desesperadas tentativas de defender meus direitos, da minha degradação, do meu orgulho, da minha felicidade e da minha agonia... 

É impossível ler a obra e não sentir nada. Impossível! Somos bombardeados a todo instante por emoções intensas que vão do amor ao ódio, passando pelo ressentimento e que deixam aquela marca na alma. Heathcliff e Catherine são fascinantes e complexos, adoráveis e detestáveis e foram feitos para a eternidade. Depois de ler O Morro dos Ventos Uivantes, as charnecas de Yorkshire jamais nos abandonarão. Imperdível! 


FICHA TÉCNICA 

Título: O Morro Dos Ventos Uivantes (Edição comentada)    
Título Original: Wuthering Heights   
Autor: Emily Brontë  
Ano: 2016 
Páginas: 391  
Editora: Zahar 
Gênero: Romance / Clássico 
Tradutor: Adriana Lisboa / Maria Luiza X. de A. Borges (anexos) / Bruno Gambarotto (notas) 

AUTOR  

Emily Jane Brontë ou, simplesmente, Emily Brontë nasceu no dia 30 de julho de 1818 em Thornton, área rural de Yorkshire, na Grã-Bretanha, que hoje é conhecida como Reino Unido. 

Foi escritora e poetisa. Seu único romance O Morro dos Ventos Uivantes ou Wuthering Heights, em inglês, é considerado um clássico da literatura mundial. 

Emily e mais outras duas irmãs, Charlotte e Anne Brontë, eram as escritoras da família de seis filhos do vigário da Igreja da Inglaterra, Patrick Brontë, sendo Emily a mais reclusa e introvertida das três, tornando qualquer tentativa de estudos ou biografias muito complicadas. 

Quando O Morro dos Ventos Uivantes foi publicado em 1847, ela usou o pseudônimo Ellis Bell. Aliás, as irmãs Brontë usaram outros nomes: Anne era Acton Bell e Charlotte, Currer Bell. Dá para notar que as irmãs conservaram as iniciais de seus nomes. Seu nome verdadeiro só apareceria em 1850, após a sua morte. 

Em Haworth, Yorkshire, com sua saúde fragilizada, Emily morreu, prematuramente, em 19 de dezembro de 1848, aos 30 anos, de tuberculose, mal que acometeu muitas pessoas de sua família. 







Até a próxima! 

Beijos mil! :-) 
Criss 




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